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Dapagliflozina no TAVI

Temos evidências?

Quem acompanha pacientes no ambulatório após implante transcateter da válva aórtica (TAVI) vê na prática que, mesmo depois da correção valvar, não é incomum que alguns continuem tendo episódios de descompensação clínica (em proporções muito menores do que antes do procedimento, visto que já sabemos que tratar a estenose aórtica grave reduz mortalidade). Porém, o que fica de pergunta é: Existe alguma medicação que ajude a dar um “empurrãozinho” na recuperação do miocárdio pós TAVI?

Pois bem, o estudo DAPA-TAVI apostou na queridinha dapagliflozina, inibidor de SGLT2 que já possui evidência robusta na redução de mortalidade na insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida (ICFER), mesmo sem diabetes segundo o DAPA-HF (NEJM 2019), na melhora do prognóstico funcional e reduz hospitalização na insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada (ICFEP) segundo o DELIVER (NEJM 2022) e também na redução de mortalidade no doente renal crônico segundo o DAPA-CKD (NEJM 2020), entre outros estudos que envolvem SGLT2 (vide figura abaixo).

Como foi o desenho deste estudo, então? O trial englobou cerca de 700 pacientes com estenose aórtica grave, FEVE > 40 % e que foram submetidos a TAVI. Foi um ensaio clínico 100% espanhol, randomizado, duplo-cego, multicêntrico com 39 hospitais participantes espalhados por várias regiões do país e organizado pelo CIBERCV (Centro de lnvestigación Biomédica en Red de Enfermedades Cardiovasculares) – uma rede espanhola de pesquisa cardiovascular de grande referência. A intervenção foi a prescrição de dapagliflozina 10 mg/dia, iniciada até 7 dias após o procedimento, sendo placebo o comparador.

Qual foi o desfecho primário apostado pelo estudo? Pois bem, foi a redução de aproximadamente 30 % no risco combinado de morte cardiovascular (CV) + hospitalização por insuficiência cardíaca (IC) sendo utilizado o score KCCQ (Kansas City Cardiomyopathy Questionnaire) como instrumento para medição da qualidade de vida relacionada à IC, avaliando: sintomas (falta de ar, fadiga), limitações físicas, percepção de saúde e impacto emocional, lembrando que ele gera um score de 0 a 100 (quanto maior, melhor), sendo as mudanças maior ou igual a 5 pontos consideradas clinicamente relevantes (vide figura abaixo)

Ousado né? Também achei, mas já te entrego um spoiler grande de que sim, houve melhora significativa na congestão e classe funcional pelo NYHA com redução mais rápida do BNP, melhora da complacência diastólica e regressão da hipertrofia do ventrículo esquerdo sem aumento dos eventos renais graves ou hipotensão significativa (vide figura abaixo):

Vamos entender um pouco melhor? Analisando a figura A abaixo (desfecho primário sendo morte por qualquer causa ou piora de insuficiência cardíaca), observamos que cada linha representa a incidência cumulativa de eventos ao longo de 1 ano. A curva amarela (dapagliflozina) se mantém consistentemente abaixo da curva azul (tratamento padrão).

A diferença entre as curvas se abre já nas primeiras semanas após a randomização – indicando benefício precoce com HR 0,72 (IC 95 % 0,55-0,95; p = 0,02). Ou seja, o desfecho primário foi estatisticamente significativo, com redução de aproximadamente 28 % no risco de morte ou piora de IC. Essa separação precoce das curvas é típica dos SGLT2i, mostrando ação rápida em congestão. Visualmente, é o gráfico-estrela do estudo, sendo ele o que garante o status de “estudo positivo”.

Antes de analisarmos a figura B, vamos pular para figura C e jajá você entenderá o motivo! Spoiler: a figura B é o alvo de muitos críticos deste estudo! Pois bem, aqui abaixo na figura C, observamos a curva de hospitalização ou atendimento urgente dentro de um ano. Notamos que a separação das curvas é ainda mais evidente do que na figura A visto que a linha da dapagliflozina sobe muito menos, mostrando que a diferença se mantém crescente ao longo do tempo com um Sub-HR 0,63 (IC 95 % 0,45-0,88). Sendo este o componente que mais “puxou” o resultado para positivo no estudo, tendo uma redução de cerca de 37 % na piora de IC. Isso traduz o efeito diurético-osmótico, hemodinâmico e metabólico da dapagliflozina – menos pressão de enchimento, menos congestão, e, logo, menos reinternação.

2024;25(5):579-586. 

 

Ao interpretarmos, porém a figura B (morte por qualquer causa – isoladamente) constatamos que as curvas de mortalidade (azul e amarela) são praticamente paralelas e com HR 0,87 (IC 95 % 0,59-1,28) – não significativo.

Veja que embora a dapagliflozina mantenha tendência a menor mortalidade, o intervalo de confiança cruza 1.0 – ou seja, sem diferença estatística. Portanto, delineamos que o estudo não demonstrou redução significativa de mortalidade isolada em 12 meses, reforçando que o benefício do DAPA-TAVI vem da redução de internações e descompensações, não de sobrevida! Em linguagem simples: a dapagliflozina melhora a qualidade clínica do paciente, mas não prolonga a vida no horizonte de 1 ano!

2024;25(5):579-586. 

 

Portanto, o ponto em que o DAPA-TAVI trial realmente brilhou foi: a dapagliflozina pós TAVI de fato reflete em menos episódios de descompensação e menos internações por IC, sugerindo que o paciente volta para casa e fica mais estável, porém sem maior benefício em redução de mortalidade!

Mas então, devemos colocar a dapagliflozina diluída na água de todos os pacientes pós TAVI? Brincadeiras à parte, vamos destrinchar o porquê que este estudo está sendo alvo de muitos críticos! Pois bem, eles levantaram alguns pontos importantes. Veja abaixo:

1) População altamente selecionada! Estudo foi realizado em 39 centros na Espanha com uma idade média 82 anos. Ou seja, realmente difícil extrapolar para pacientes mais jovens, de outros países ou sem IC prévia.

2) Efeitos adversos discretos, mas reais! (vide tabela abaixo). Percebe que houve mais hipotensão (6 %) e mais infecção genital (1,8 %) no grupo em uso da dapagliflozina. Sabemos que em idosos frágeis, estes sintomas podem ser muito danosos, inclusive precipitando quedas e, consequentemente, fraturas com necessidade de internações.

2024;25(5):579-586. 

 

3) Como já havíamos conversado lá em cima na figura B: O desfecho “positivo” foi às custas da melhora da insuficiência cardíaca e não pela redução de mortalidade! Além disso, ambos os grupos (dapagliflozina e tratamento padrão) apresentaram grande melhora no KCCQ após a TAVI. Entendemos que isso já era esperado, porque a TAVI por si só resolve a obstrução valvar, aliviando sintomas intensos.

Ou seja, na prática analisando o KCCQ vimos que a diferença entre os grupos foi pequena e estatisticamente não significativa, já que o “efeito teto” ocorre quando o paciente melhora tanto com a troca da válvula, que não sobra espaço para a medicação mostrar diferença adicional no questionário visto que, de fato, a dapagliflozina não aumentou mais ainda o score além do que o TAVI já proporcionou. 

4) O tempo de seguimento foi curto (12 meses): talvez o benefício maior da dapagliflozina em bem-estar se manifeste mais tarde. Sem contar que o KCCQ é subjetivo e pode não capturar pequenas melhorias hemodinâmicas ou de volume que o remédio produz durante este período curto de análise. Só saberemos realmente com novos estudos de seguimentos mais longos.

Considerando tudo que discutimos acima, em termos práticos: o DAPA-TAVI ainda não redefine guidelines pois, apesar de ter sido um estudo positivo, foi às custas de redução da congestão, não de mortalidade. Ou seja, colocando as cartas na mesa, entendemos que é o tipo de estudo que amplia nossos olhares para elaborarmos mais trials similares que testem a dapagliflozina em populações mais amplas e variadas e num período de tempo com seguimento mais longo para, de fato, considerarmos mudar nossa conduta ambulatorial reduzindo de maneira mais robusta as reinternações dos pacientes pós TAVI e, quem sabe, futuramente descobrirmos o impacto em mortalidade! Não custa nada termos esperança, não é mesmo? Afinal, a elaboração de um estudo sempre foi baseada na perspectiva promissora de acharmos uma resposta para uma pergunta.

Portanto, articulando com o título, a resposta é: não, ainda não temos evidência robusta em populações variadas do benefício da dapagliflozina pós TAVI, porém este artigo nos demonstra com clareza que nesta população espanhola houve sim um ponto positivo: a melhora clínica e redução de reinternações, nos trazendo a esperança de que isso seja provado também em muitas outras populações, inclusive no nosso Brasil.

 

Literatura Sugerida: 

1 – Raposeiras-Roubín S, Amat-Santos IJ, Rosselló X, Carracedo M, Veiga C, Rodríguez-Gabei/a T; et al. Dapagliflozin in Patients Undergoing Transcatheter Aortic-Valve lmplantation. N Eng J Med. 2025;392(12):1157-1169.

 

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