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Limite da estimulação cardíaca pós-TAVI

Quando 30% já é demais!

O implante transcateter de valva aórtica (TAVI) transformou‑se na principal ponte entre a estenose aórtica grave e uma vida ativa. No entanto, essa vitória hemodinâmica traz um custo silencioso: aproximadamente 15 % a 20 % desses indivíduos deixam a sala híbrida com indicação de marca‑passo definitivo (MP), e a sobrecarga elétrica crônica imposta ao ventrículo direito associa‑se a maior mortalidade e a readmissões recorrentes por insuficiência cardíaca (IC).

A necessidade de monitorar a carga de estimulação ventricular direita (Right Ventricular Pacing Burden, RVPB) após o TAVI tornou-se imperativa, sobretudo em pacientes que permanecem dependentes de estimulação contínua por bloqueio atrioventricular total ou exibem percentuais intermitentes, porém expressivos, de captura ventricular. Em um ventrículo direito já submetido a remodelamento estrutural, mesmo cargas moderadas de RVPB, iguais ou superiores a 30%, associam-se a incremento significativo de reinternações por insuficiência cardíaca, maior prevalência de fibrilação atrial e redução da fração de ejeção do ventrículo esquerdo.

Esses achados obrigam à revisão do antigo limiar de 40% e reforçam a necessidade de reavaliar o risco eletromecânico em miocárdio envelhecido com reserva contrátil limitada. A presença prévia, ou mesmo latente, de disfunção ventricular exacerba esses efeitos deletérios, tornando imprescindível a identificação precoce desse subgrupo para ajuste terapêutico oportuno.

Além das variáveis anatômicas e eletrocardiográficas já discutidas, as Diretrizes da European Society of Cardiology de 2021 consolidam critérios específicos para indicação de marca-passo definitivo no período pós-TAVR. O documento integra recomendações baseadas em evidência que abrangem desde bloqueios atrioventriculares persistentes até distúrbios de condução recém-instalados, ampliando o número de pacientes potencialmente beneficiados pela estimulação permanente (Figura 1).

 

Figura 1. Tabela de recomendações da ESC 2021 para estimulação cardíaca após TAVI.

Fonte: ESC Guidelines on Cardiac Pacing and Cardiac Resynchronization Therapy (2021).

 

Em cenários particulares, quando coexistem disfunção ventricular esquerda, elevada previsão de tempo de estimulação ou substrato fibrótico significativo, abordagens de estimulação fisiológica, como a captura do feixe de His ou da área do ramo esquerdo, têm sido progressivamente consideradas. Embora a evidência específica para pacientes pós-TAVI ainda seja limitada, tais técnicas mantêm a sincronização ventricular e podem constituir opção racional em indivíduos de maior risco para dissincronia induzida pela estimulação convencional.

Guiados por essa hipótese, Tsushima e cols, revisitaram o tema em 110 pacientes submetidos a TAVI e, depois, a implante de MP. O achado foi contundente: bastou uma RVPB ≥ 30 % aos 12 meses para que o risco de reinternação por IC aumentasse mais de seis vezes (hazard ratio (HR)  = 6,333) e o composto de morte ou IC duplicasse (HR = 2,453) (Figura 2). Além das estatísticas duras, observou‑se queda progressiva da fração de ejeção do ventrículo esquerdo e aumento expressivo de novos episódios de fibrilação atrial, reforçando a conexão fisiopatológica entre estimulação não fisiológica e remodelamento adverso.

 

Figura 2. Curvas de Kaplan-Meier do artigo de Tsushima et al. 2023, ilustrando a dramática separação nas taxas de reinternação por IC entre os grupos com RVPB < 30% e ≥ 30%.

Fonte: Tsushima et al. Europace. 2023;25(4):1441-1450.

 

A praticidade do trabalho reside em mostrar onde o futuro se insinua. O preditor mais forte de RVPB elevada ao fim de um ano foi já apresentar RVPB ≥ 40 % na primeira consulta de seguimento, realizada cerca de trinta dias após a alta hospitalar. Essa visita, muitas vezes resumida a checar limiares de captura, converte‑se em instante decisivo de estratificação. Outros sinais de alerta, visíveis ainda na sala de hemodinâmica, incluem profundidade de implantação da prótese ≥ 4 mm abaixo do anel, bloqueio de ramo direito pré‑existente e indicação de MP por bloqueio atrioventricular total; juntos, esses fatores compõem um escore simples capaz de antever quem cruzará a barreira dos 30% (Figura 3).

 

Figura 3. Modelos de predição de risco do artigo de Tsushima et al. para o desenvolvimento de RVPB ≥ 30% em um ano, destacando os fatores de risco e a acurácia.

Fonte: Tsushima et al. Europace. 2023;25(4):1441-1450.

 

Diante desses achados, torna-se premente a realização de ensaios clínicos randomizados que comparem a estimulação fisiológica precoce com a estratégia convencional em pacientes identificados como de alto risco. Em contextos específicos, particularmente na presença de disfunção ventricular esquerda, alta previsão de dependência de estimulação, a terapia de ressincronização cardíaca e estratégias de estimulação fisiológica, como a captura do feixe de His ou da área do ramo esquerdo, são as melhores opções terapêuticas.

Embora os dados ainda sejam limitados para o cenário pós-TAVI, essas técnicas preservam a sincronização da ativação ventricular e podem configurar uma alternativa racional em subgrupos com maior risco de remodelamento adverso induzido pela estimulação convencional.

Literatura Sugerida: 

1 – Tsushima T, Al-Kindi S, Palma Dallan LA, Fares A, Yoon SH, Wheat HL, et al. Clinical impact of right ventricular pacing burden in patients with post-transcatheter aortic valve replacement permanent pacemaker implantation. EP Eur. 2023 Apr 15;25(4):1441–50.

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