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PR isolado após TAVI

Sinal de alerta ou achado transitório?

O prolongamento isolado do intervalo PR (IPRP) após o implante transcateter de válvula aórtica (TAVI), na ausência de alargamento concomitante do QRS, é um achado eletrocardiográfico que historicamente gera incertezas quanto ao seu significado prognóstico. A principal dúvida reside em considerá-lo um marcador precoce de bloqueios atrioventriculares avançados ou apenas um fenômeno transitório, de provável mecanismo nodal relacionado a edema ou compressão mecânica do nó AV nos primeiros dias pós-procedimento.

Em uma coorte retrospectiva envolvendo 1.108 pacientes submetidos a TAVI entre 2010 e 2021, 436 preencheram critérios de inclusão para análise comparativa: 146 apresentaram IPRP e 290 mantiveram traçado eletrocardiográfico inalterado no pós-procedimento (Figura 1). No seguimento de um ano, a incidência de marcapasso definitivo (PPI) foi de 2,7% no grupo IPRP e 2,4% no grupo controle, sem diferença estatisticamente significativa. As taxas de mortalidade também foram comparáveis (6,8% vs. 8,6%; p>0,5).

Figura 1 – Fluxo da coorte de pacientes submetidos a TAVI e distribuição conforme presença de IPRP.

Nenhum paciente com QRS estreito e IPRP necessitou PPI. No subgrupo com QRS ≥120 ms, a análise multivariada indicou que o PR basal prolongado e a maior largura do QRS — e não o prolongamento adquirido — associaram-se ao desfecho combinado de PPI e mortalidade. Idade avançada e fração de ejeção ventricular esquerda (FEVE) <50% permaneceram preditores independentes de risco global.

A interpretação fisiopatológica sugere um mecanismo predominantemente nodal nos casos de QRS estreito, enquanto no QRS alargado prevalece substrato infranodal com comprometimento do sistema His–Purkinje. A análise seriada do PR mostrou incremento médio de 40,2 ± 22 ms, com pico no dia do procedimento em mais da metade dos casos e >90% atingindo o valor máximo até 72 horas. Aproximadamente metade apresentou regressão do PR para ≤20 ms acima do basal até o 3º dia. Em 93% dos pacientes, a frequência cardíaca manteve-se similar entre o ECG basal e aquele com PR máximo, afastando influência autonômica e reforçando um efeito mecânico local (compressão ou edema) sobre o nó AV (Figura 2).

Figura 2 – Variação seriada do intervalo PR após TAVI, com pico nas primeiras 72 horas e tendência de regressão espontânea.

A análise estratificada demonstra que, no QRS estreito, o IPRP não se correlaciona com mortalidade ou PPI, o que se reflete em curvas de Kaplan–Meier ajustadas sobreponíveis entre grupos (Figura 3). Em contrapartida, no QRS largo, sobretudo em bloqueio de ramo direito pré-existente, a associação de PR basal prolongado e QRS mais amplo indica maior propensão a bloqueio AV de alto grau. A presença de bloqueio de ramo esquerdo basal, sem alargamento adicional, pareceu menos impactante.

Figura 3 – Curvas de Kaplan–Meier ajustadas: sobreposição das taxas de mortalidade e implante de marcapasso definitivo entre pacientes com e sem IPRP no QRS estreito.

Em pacientes com QRS <120 ms e IPRP, o achado deve ser entendido como alteração transitória de mecanismo nodal, muito provavelmente relacionada a edema ou compressão mecânica do nó AV nas primeiras 48–72 horas, sem valor prognóstico adverso. Assim, recomenda-se monitorização padrão por 48–72 horas, mobilização precoce e alta hospitalar guiada por estabilidade clínica, sem indicação de estudo eletrofisiológico (EEF) ou PPI de rotina.

Quando o QRS ≥120 ms, especialmente na presença de bloqueio de ramo direito, o PR prolongado ganha peso prognóstico por refletir, em geral, substrato infranodal pré-existente (His–Purkinje). Nessa situação, a estratificação deve ser individualizada, integrando PR e QRS basais, idade, função ventricular esquerda (FEVE) e, quando disponível, parâmetros eletrofisiológicos, como o intervalo HV.

Em candidatos à TAVI, particularmente com próteses autoexpansíveis (SEV), o EEF pré-implante pode agregar valor prognóstico: HV >55 ms associa-se a aproximadamente 6,5 vezes maior risco de PPI até a alta hospitalar. Em linha com essa lógica, maior profundidade de implantação, sobretudo em SEV, relaciona-se a alterações mais acentuadas da condução intraventricular, incluindo novo bloqueio de ramo esquerdo.

Nesse sentido, o IPRP com QRS estreito configura achado eletrocardiográfico transitório e de baixo impacto, ao passo que, no QRS alargado, o risco decorre essencialmente do substrato de condução pré-existente. Essa distinção sustenta estratégias de vigilância e decisões terapêuticas mais precisas — evitando implantes desnecessários no cenário nodal transitório e concentrando recursos na monitorização intensiva dos casos com maior probabilidade de progressão infranodal.

Literatura Sugerida: 

1 – Perel N, Tovia-Brodie O, Schnur A, et al. Post-transcatheter aortic valve implantation isolated PR prolongation: incidence and clinical significance. Europace. 2024;26:1-12. doi:10.1093/europace/euae011.

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