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Sobrecarga Hemodinâmica

O que o estresse de parede revela nas valvopatias?

Nem toda hipertrofia é igual. Embora a estenose aórtica (EAo) e a insuficiência mitral (IM) levem a remodelamentos significativos do ventrículo esquerdo, os caminhos fisiopatológicos são radicalmente distintos, e é aí que mora a beleza da cardiologia.

Um estudo recente publicado no JACC aproveitou a oportunidade oferecida pelas intervenções percutâneas — TAVI na EAo e MitraClip na IM — para avaliar, de forma aguda e sem interferência cirúrgica, como a parede ventricular responde à correção valvar. E o que se viu foi uma aula prática de fisiologia aplicada.

Na EAo, a sobrecarga de pressão crônica promove hipertrofia concêntrica e aumento do estresse sistólico da parede ventricular esquerda (S-LVWS). Já na IM, o excesso de volume gera dilatação excêntrica e maior estresse diastólico (D-LVWS). Até aí, sem surpresas. Mas os dados revelaram aspectos interessantes de avaliarmos: pacientes com EAo e maior S-LVWS basal caminharam menos no teste de 6 minutos — e essa correlação foi mais forte do que com os próprios parâmetros ecocardiográficos de gravidade da estenose.

O tradicional gradiente médio de pressão cede lugar a um marcador mais fisiológico e diretamente relacionado à função: a tensão da parede ventricular. Quanto maior a tensão exercida sobre a parede ventricular, menor a capacidade funcional do paciente. E mais: essa sobrecarga não era homogênea — nos pacientes com EAo, o estresse sistólico era mais pronunciado na base e no segmento médio. Já na IM, o padrão era inverso para o estresse diastólico, com picos na porção média.

Após as intervenções, as respostas seguiram a lógica hemodinâmica: TAVI reduziu significativamente o estresse sistólico, enquanto o MitraClip reduziu o estresse diastólico sem aumento significativo da pós-carga, contrariando antigos temores sobre a correção da IM crônica.

Talvez o maior mérito do estudo esteja em resgatar o conceito clássico de Laplace e colocá-lo no centro da avaliação clínica moderna. Medir pressão e volume é importante, mas entender como esses vetores se aplicam à parede miocárdica é o que diferencia quem enxerga números de quem enxerga fisiologia e sua aplicação na prática clínica.

Afinal, o remodelamento ventricular não é um efeito colateral. Ele é a resposta adaptativa, ou potencialmente prejudicial, a forças que ainda estamos aprendendo a quantificar. E, nesse processo, talvez o estresse de parede não seja apenas um marcador, mas uma peça-chave na decisão de intervir.

Literatura Sugerida: 

1 – Papapostolou S, Kearns J, Costello BT, et al. Comparison of Pressure vs Volume Overload Ventricular Wall Stress in Patients With Valvular Heart Disease. J Am Coll Cardiol. 2024 Aug 13;84(7):635-644.

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