Seguindo a proposta lançada pela Sociedade Europeia e Cardiologia, que trouxe pontos de vista discordantes em uma mesma publicação de temas ainda controversos na cardiologia, hoje vamos abordar o lado que embasa a intervenção precoce nos pacientes com estenose aórtica importante, mas ainda assintomática.
Embora o maior número de evidências publicadas até o presente momento suporte a teoria do “Watchful Waiting” ou no português da espera vigilante, em busca da presença de sintomas, alguns aspectos clínicos poderiam desafiar essa estratégia, objetivando uma intervenção numa fase anterior ao surgimento de sintomas.
Quando observamos a história natural desses indivíduos com estenose aórtica importante, ao longo de 3 anos, 80% terão desenvolvido necessidade de intervenção em em 1 ano, até 20%, principalmente pelo surgimento de algum grau de sintomas.
Diante dessas informações, o primeiro ponto aqui é logístico. O acompanhamento clínico com o grau de proximidade necessária é muitas vezes abaixo do ideal no mundo real. Em questão de meses, poderíamos perder o timing exato da indicação precisa.
Embora o racional poderia ser basear na ideia de o paciente notificar o surgimento de sintomas, sabemos que a instrução do médico está longe de ser o ideal, o que diremos ao olharmos para o paciente. Portanto, essa é uma estratégia, embora interessante, é falha na imensa maioria dos casos. E ainda, como a estenose aórtica ocorre frequentemente em idosos, a capacidade funcional prejudicada pode ser atribuída ao envelhecimento e/ou outras comorbidades.
Embora o risco de morte súbita seja maior nesse grupo quando comparado à população saudável, a prevalência desse desfecho é muito pequena para ser essa uma boa justificativa de intervenção precoce, mas quando observamos dados de mundo real, a perda de seguimento e também a não interpretação adequada de possíveis sintomas, traz dados alarmantes. Cerca de um terço dos indivíduos chegam aos serviços especializados já em classe funcional avançada ou mesmo com história de múltiplas abordagens em serviços de urgência com descompensação de insuficiência cardíaca, o que claramente impacta negativamente a curva de sobrevida.
Outro ponto que sustenta uma intervenção precoce é o risco de sequelas definitivas no miocárdio, visto que alguns pacientes apresentam esgotamento dos mecanismos compensatórios e queda na fração de ejeção, mesmo antes do surgimento dos sintomas. Outros achados não tão importantes também podem ser vistos nesses pacientes, como queda no strain, elevação das pressões de enchimento, surgimento de cicatrizes de fibrose e até mesmo outros achados que seguem muito o racional da classificação funcional de Genereux.
Diante de todos esses riscos e com uma configuração atual dos serviços de elevada expertise com menores riscos de intervenção, muito se debateu sobre esse tema e o acompanhamento dos desfechos clínicos talvez seja o grande trunfo dessa tendência atual.
Em dados de estudos observacionais, houve uma tendência a benefício da intervenção precoce em alguns pacientes com determinadas características que foram testadas em trials.
Tanto o RECOVERY trial, quanto o AVATAR, pacientes com estenose aórtica importante assintomáticos, mas com marcadores ecocardiográficos de gravidade mostraram benefícios na intervenção precoce, com impacto em desfechos duros, como mortalidade cardiovascular e também nos secundários.
Diante disso, parece que a indicação precoce traz inúmeros benefícios e estaria se tornando indiscutível… será? Vamos ver no próximo tema, o que temos de contrário baseado em publicações a essa corrente!