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Disjunção do Anel Mitral no Prolapso Valvar

Substrato Arritmogênico e Implicações Clínicas

O prolapso da valva mitral (PVM) é uma condição relativamente comum, acometendo aproximadamente 2% a 3% da população geral e configurando-se como a principal causa de insuficiência mitral degenerativa. Embora o prognóstico do PVM esteja frequentemente atrelado à gravidade da insuficiência mitral, um subconjunto de pacientes apresenta um fenótipo arrítmico, caracterizado por elevado risco de arritmias ventriculares graves e morte súbita cardíaca, independentemente do grau da regurgitação mitral coexistente.

Dentro desse contexto, a disjunção do anel mitral (DAM) emerge como um fator de relevância crescente. Definida como a separação anormal entre o anel mitral e o miocárdio ventricular esquerdo, a DAM está presente em cerca de 20% a 30% dos indivíduos com PVM. Sua associação com arritmias ventriculares malignas tem sido amplamente discutida, possivelmente devido à sobrecarga mecânica imposta aos músculos papilares, culminando na formação progressiva de fibrose miocárdica e aumento do risco arrítmico.

A identificação do PVM associado à DAM exige uma abordagem multimodal de imagem cardíaca. A ecocardiografia transtorácica (ETT) continua sendo o exame inicial, permitindo a detecção do prolapso sistólico dos folhetos e a investigação da DAM, especialmente no corte paraesternal longitudinal. No entanto, a avaliação ecocardiográfica deve ser realizada em múltiplos planos para evitar a subestimação da DAM, uma vez que sua presença pode passar despercebida se apenas uma projeção for analisada.

Critérios ecocardiográficos têm sido empregados na estratificação do risco em indivíduos com DAM e PVM, auxiliando na tomada de decisão clínica e no manejo adequado dos pacientes (Figura 1).

Incluem regurgitação mitral grave, maior extensão da DAM, fibrose ventricular esquerda, deslocamento mitral ventricular esquerdo aumentado, fração de ejeção reduzida (≤50%-60%), strain longitudinal global alterado, folhetos redundantes e prolapso de ambas as cúspides, além do padrão de strain em pico duplo, todos relacionados ao potencial arrítmico desfavorável.

Além da ecocardiografia transtorácica convencional, a ecocardiografia tridimensional, seja transtorácica ou transesofágica (ETE), adequadamente aprofunda a avaliação anatômica do anel mitral. Esses recursos permitem mensurar minuciosamente a extensão e a posição da DAM, otimizando o diagnóstico e contribuindo para o planejamento cirúrgico quando necessário.

Outro ponto relevante na avaliação ecocardiográfica do DAM é o “sinal de Pickelhaube”, correspondente a uma onda S sistólica (>16 cm/s) captada pelo Doppler tissular no anel mitral. Esse achado evidencia a hipermobilidade acentuada do anel, correlacionando-se a risco arrítmico maior, pois sugere suscetibilidade ampliada à fibrose miocárdica e ocorrência de arritmias graves, principalmente em casos de prolapso de ambas as cúspides com disjunção extensa, fenômeno esse, válido para compreender o mecanismo fisiopatológico e direcionar condutas específicas.

Além dessa avaliação, a ressonância magnética cardíaca (RMC) representa ferramenta vital para diagnóstico e prognóstico do PVM associado à DAM. Dotada de alta resolução espacial, distingue DAM verdadeira de pseudo-DAM, além de detectar fibrose miocárdica via realce tardio com gadolínio, sobretudo nas regiões ínfero-basais e papilares, fortemente associadas a eventos arrítmicos. Essa modalidade permite avaliar alterações estruturais incipientes, fornecendo informações importantes para estratificação do risco arrítmico e manejo clínico.

O tratamento do PVM com DAM precisa ser personalizado, avaliando tanto a intensidade da regurgitação mitral quanto o risco arrítmico. Pacientes que apresentam regurgitação severa demandam plastia mitral prioritária, visando reduzir arritmias por corrigir paralelamente a DAM. Já em cenários sem regurgitação importante, o controle arrítmico utiliza betabloqueadores e bloqueadores de canal de cálcio, além de estratégias invasivas, como ablação por cateter ou inserção de cardiodesfibrilador implantável (CDI), sobretudo para pacientes com antecedentes de eventos graves.

O acompanhamento periódico é essencial devido ao alto risco de arritmias nesses pacientes. Estima-se que cerca de 30% possam desenvolver arritmias ventriculares significativas em até 5 anos. O monitoramento seriado com Holter possibilita a detecção precoce de distúrbios arrítmicos, permitindo intervenções oportunas.

Dessa forma, a identificação precoce do fenótipo arrítmico no PVM com DAM é crucial para um manejo adequado, visando a prevenção de complicações graves. A avaliação multimodal, a estratificação detalhada do risco e a personalização das condutas terapêuticas são fundamentais para minimizar a morbimortalidade e melhorar o prognóstico dos pacientes.

Literatura Sugerida: 

1 – Van der Bijl P, Stassen J, Haugaa KH, Essayagh B, Basso C, Thiene G, et al. Mitral Annular Disjunction in the Context of Mitral Valve Prolapse: Identifying the At-Risk Patient. JACC Cardiovasc Imaging. 2024 Oct;17(10):1229–45.

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