Por que tão negligenciado?
Os recentes avanços na cardiologia tornaram uma série de pacientes elegíveis para tratamento intervencionista, dando uma clara impressão de progresso e melhor assistência médica. A melhora na curva de sobrevida, dentro da estenose aórtica, só é obtida com intervenção, seja ela cirúrgica convencional com troca valvar e implante de prótese ou transcateter com o implante de uma prótese biológica na topografia aórtica.
Diante disso, os atuais guidelines indicam com alto nível de evidência a intervenção em determinadas classificações de estenose aórtica, como os pacientes no estágio D1 (área valvar menor do que 1cm2 e gradiente sistólico médio acima de 40mmHg). Já aqueles consierados de baixo gradiente, os estágios D2 e D3, encontramos uma indicação menos robusta, mas com boas evidências encontradas na literatura, colocando, de forma geral, o nível de indicação pelo menos em IIa.
Diante de toda essa literatura e esses estudos metodologicamente bem montados, era de se esperar uma taxa de indicação muito elevada nesses pacientes, mas em dados norteamericanos, menos de 50% dos pacientes que preenchem os critérios bem estabelecidos nas diretrizes são submetidos adequadamente a intervenção e quando tentamos estratificar por subtipos de estenose aórtica, as informações são ainda mais interessantes.
Dentro do grupo D1, ou seja, aqueles com estenose aórtica clássica com área valvar menor do que 1cm2 e gradiente sistólico médio acima de 40mmHg, em torno de 70% dos casos apresentaram intervenção. Desses, aqueles com queda na fração de ejeção, o chamado afterload mismatch, aproximadamente metade não foi abordado.
Quando foram observados os pacientes considerados como estenose aórtica de baixo gradiente, ou seja, os estágios D2 e D3 em que encontramos área valvar menor do que 1cm2 com gradiente sistólico médio abaixo de 40mmHg, podendo ter redução na fração de ejeção (D2) ou fração de ejeção preservada (D3), a taxa de encaminhamento é ainda menor. Os pacientes no estágio D2, apenas 38% foram encaminhados para abordagem, enquanto aqueles no estágio D3, apenas 33%, contrariando as indicações encontradas nas diretrizes vigentes.
Interessante, que os achados novamente ratificam que, independente do subtipo de estenose aórtica importante, a intervenção esteve correlacionada a melhora na curva de sobrevida.
Os pacientes que foram acompanhados clinicamente eram, de forma geral, mais idosos e com maior número de comorbidades, elevando seus riscos cirúrgicos. Da mesma forma, eram pacientes com maior prevalência de estenose aórtica de baixo gradiente, que apresenta determinadas dificuldades diagnósticas e pode acabar dificultando um adequado acompanhamento.
Evidentemente há um “subtratamento” de estenose aórtica e se faz necessário entender o real motivo disso. Por um lado, teríamos um espectro de diagnóstico mais complexo e que demandaria uma série de métodos mais sofisticados, limitando o acesso adequado a uma população sem poder aquisitivo compatível, tornando seu real diagnóstico obscuro.
Do outro lado, equipes de saúde que apresentam formação inadequada sem uma correta atualização sobre a forma de diagnosticar e tratar estenose aórtica, bem como trazer esses pacientes mais complexos para uma decisão colegiada em ambiente de Heart Team, o que aumenta as chances de acerto e intervenção adequada. Além disso, determinados mitos ainda perduram na mente de alguns cardiologistas como contraindicações baseadas exclusivamente em dados como idade ou fração de ejeção do ventrículo esquerdo.
Literatura Sugerida:
1 – Li SX, Patel NK, Flannery LD, et al. Trends in Utilization of Aortic Valve Replacement for Severe Aortic Stenosis. J Am Coll Cardiol. 2022 Mar 8;79(9):864-877.
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