Handgrip no Ecocardiograma
Lupa para a insuficiência mitral funcional atrial
Imagine uma paciente de 80 anos, com fibrilação atrial crônica, fração de ejeção preservada, dispneia aos pequenos esforços sem melhora clínica ou melhora parcial dos sintomas, limitações ortopédicas e um ecocardiograma “tranquilo”, com insuficiência mitral (IM) leve. O que fazer?
Por muito tempo, a resposta seria: “Seguir com tratamento clínico”. Mas, e se esse eco em repouso não estivesse nos contando toda a verdade?
É aqui que entra o handgrip test, uma manobra simples, acessível e, como mostram o trabalho recém-publicados no European Heart Journal – Cardiovascular Imaging, potencialmente transformadora na prática clínica.
Antes de abordarmos o trabalho, algumas explicações são necessárias. Novos conceitos surgiram e a importância das subcategorizações da regurgitação mitral funcional (FMR) tem sido amplamente debatida.
FMR atrial e ventricular foram sugeridas como entidades distintas com diferentes mecanismos que afetam prognóstico e tratamento.
Naser et al., em 2023, destacaram a prevalência e fisiopatologia da FMR atrial, subestimando as dinâmicas do átrio esquerdo e anel mitral. No caso de regurgitação mitral funcional atrial (aFMR), o tamanho do ventrículo esquerdo (LV) e a função sistólica geralmente são normais, enquanto a dilatação isolada do anel mitral e a adaptação inadequada das cúspides são consideradas as causas principais. No contexto clínico, uma proporção significativa de pacientes apresenta uma discrepância entre os sintomas e os achados ecocardiográficos em repouso.
Em 2022, Ooms et al. apresentaram a regurgitação mitral desproporcional, explicando resultados de ensaios clínicos sobre reparação transcateter (MR-TEER). O estudo COAPT mostrou benefícios do MR-TEER em pacientes com regurgitação mitral avançada, possivelmente pela maior prevalência de FMR atrial.
A regurgitação mitral (MR) pode ser leve ou moderada em repouso e grave durante o exercício. A MR dinâmica induzida pelo exercício é observada em 20–50% dos pacientes com etiologia primária ou secundária. No entanto, a prevalência, os mecanismos fisiopatológicos e a relevância prognóstica da MR funcional atrial dinâmica ainda precisam ser estudadas.
As diretrizes da Sociedade Europeia de Cardiologia (ESC) e da Sociedade Americana de Cardiologia (ACC/AHA) recomendam a ecocardiografia de exercício em pacientes com regurgitação mitral (RM) para revelar sintomas em pacientes assintomáticos, identificar a origem da dispneia e obter informações prognósticas adicionais, mas não especificam o tipo de esforço empregado. O exercício em bicicleta pode nem sempre ser viável para pacientes mais velhos com condições como por exemplo: “artrose de joelho ou quadril”.
O exercício isométrico com handgrip, que pode ser facilmente realizado durante a ecocardiografia mesmo sem preparo para o esforço e pode servir como uma alternativa importante.
O estudo de Spieker: revelando o que o repouso esconde
No estudo liderado pelo professor Maximilian Spieker et al., intitulado “ Prevalence and prognostic impact of dynamic atrial functional mitral regurgitation assessed by isometric handgrip exercise, da Divisão de Cardiologia, Pneumologia e medicina Vascular do Hospital Universitário de Dulsseldorf na Alemanha, 80 pacientes com insuficiência mitral funcional atrial (IMFA) realizaram ecocardiograma antes e durante o handgrip (aperto de mão isométrico por 3 minutos).
Este aperto de mão foi padronizado e realizado utilizando um dinamômetro de preensão manual. O paciente permaneceu deitado de lado esquerdo mesmo, tanto em repouso quanto durante o exercício. Sinais vitais registrados em repouso, o paciente foi solicitado a apertar o dinamômetro com uma das mãos com esforço máximo por um curto período para avaliar a força máxima de preensão manual. Subsequentemente, o exercício de preensão manual foi realizado com uma das mãos a 30% da força máxima por 3 minutos. Imagens ecocardiográficas foram obtidas após 2 minutos de exercício até o pico do exercício. Sinais vitais no pico do exercício. Os medicamentos não foram suspensos para o exame.
- Ah, um detalhe importante, foi medido também o Indice folheto anel (LAI). O LAI é, segundo relatos, um mecanismo fisiopatológico para o desenvolvimento de regurgitação mitral funcional atrial (aFMR) em pacientes com fibrilação atrial.
O que se observou foi impressionante:
- 17,5% dos pacientes com IM não grave em repouso evoluíram para IM grave durante o esforço;
- Houve reclassificação da gravidade da IM em 35% dos casos;
- Aqueles que desenvolveram IM grave dinâmica tiveram prognóstico semelhante aos com IM grave já em repouso;
- A presença de IM grave dinâmica se associou a mais hospitalizações e intervenções valvares (TEER/cirurgia);
- O índice folheto anel (LAI) foi reduzido em pacientes com regurgitação mitral dinâmica (MR dinâmica) em comparação com aqueles sem MR dinâmica;
- A prevalência de FMRatrial reportada entre 7 e 27% foi neste estudo de 17.9%.
O teste, que dura apenas alguns minutos, mostrou-se um marcador funcional e prognóstico poderoso — especialmente em um cenário onde os sintomas superam os achados em repouso.
Algumas considerações importantes:
- A IMFA ainda é negligenciada nas diretrizes;
- O mecanismo atrial da IM (dilatação do anel mitral + disfunção do átrio esquerdo) exige testes dinâmicos individualizados;
- O handgrip, por provocar sobrecarga pressórica (diferente da sobrecarga volumétrica do exercício dinâmico), é especialmente útil para desencadear refluxo em pacientes frágeis ou idosos;
- E talvez o mais relevante: é possível fazer isso com o que você já tem no consultório.
IMFA: nem sempre visível, mas muito impactante
A insuficiência mitral funcional atrial tem ganhado destaque nos últimos anos, mas ainda vive à sombra da IM ventricular. A maioria dos cardiologistas ainda se orienta exclusivamente por achados em repouso. O resultado? Muitos pacientes sintomáticos, mal classificados e subtratados.
Se o eco em repouso não explica os sintomas, é hora de buscar mais.
O que muda na prática?
- Tem um paciente com fibrilação atrial, ICFEp e sintomas pouco explicáveis e persistentes?
– Considere o handgrip;
- Trabalha com eco em laboratório ou consultório?
– Avalie a progressão da IM durante o esforço isométrico;
- Viu um LA muito dilatado, anel mitral ampliado, folhetos curtos e LAI baixo?
– Desconfie: talvez a IM seja pior do que parece.
- Pensando em indicar TEER?
– O handgrip pode ajudar a selecionar melhor os pacientes.
Conclusão: simples, eficaz e urgente
O handgrip não precisa de esteira, cicloergômetro ou sala de esforço. Basta um dinamômetro e um ecocardiografista atento. É rápido, seguro, barato e, como mostrou o estudo de Spieker, capaz de mudar decisões clínicas e até o prognóstico.
Talvez estejamos diante de uma nova etapa no manejo da IM funcional atrial. A lupa estava ali o tempo todo — era só direcionar – como não pensei nisto antes.
Literatura Sugerida:
1 – Spieker M et al. EHJ Cardiovasc Imaging. 2024;25(5):589–598.
Click Valvar Academy#644 – Handgrip no Eco
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