Recentemente uma grande discussão sobre a abordagem da insuficiência mitral de etiologia funcional tem ganhado destaque com as publicações que tem mostrado que, em casos selecionados, a intervenção com a clipagem mitral pode melhorar tanto sintomatologia, quanto sobrevida desses indivíduos.
Antes dessas publicações, as diretrizes apontavam que caso fosse necessário intervir, embora a evidência fosse fraca, a intervenção deveria ser cirúrgica com uma tendência ao implante de prótese ao invés de reparo valvar, o que se colocava como uma exceção dentro do mundo das Valvopatias.
As publicações que trouxeram esse contexto clínico e intervencionistas comparavam a intervenção transcateter com o tratamento clínico otimizado de forma isolada, mas imaginando que a indicação de intervenção fosse realizada, qual deveria ser a modalidade de abordagem? Cirurgia ou transcateter?
Antes de trazermos esses achados, o racional para esse tipo de questionamento coloca na balança prós e contras de cada procedimento. Enquanto a abordagem transcateter não consegue ser resolutiva no grau de regurgitação e sim leva a sua redução, a abordagem cirúrgica tende a reduzir a zero a regurgitação, mas é um procedimento bem mais invasivo e tem suas repercussões que não podem ser ignoradas.
As atuais diretrizes colocam a abordagem transcateter como alternativa para os casos em que a avaliação pelo Heart Team entenda que a cirurgia não é o melhor caminho, portanto, hierarquicamente, colocada como segunda opção no tratamento intervencionista.
Interessante ressaltar que o MATTERHORN trial colocou ambas as técnicas frente a frente e demonstrou que a clipagem mitral transcateter é não inferior à abordagem cirúrgica em pacientes com insuficiência mitral de etiologia funcional e que tenham elevado risco cirúrgico. O desfecho combinado desse trial foi mortalidade, internação hospitalar por IC descompensada, AVC, intervenção valvar ou implante de dispositivo ventricular de suporte circulatório.
Ao longo de um ano de acompanhamento clínico também houve melhora da qualidade de vida e da classe funcional desses indivíduos e vale ressaltar que em ambos os braços do estudo essa melhora foi vista ao mesmo tempo, não tendo a intervenção menos invasiva benefício nesse aspecto.
No entanto, o tempo de internação em UTI e hospitalar foi menor no braço submetido a intervenção transcateter.
Um ponto que apoia a intervenção percutânea é que houve 60% de desfechos relacionados a segurança do procedimento quando comparado à cirurgia sob os critérios do VARC, principalmente relacionados a sangramento e fibrilação atrial no pós-procedimento.
Se colocarmos um ponto de corte de 2 cruzes para o grau de regurgitação ao longo de 1 ano, os dois procedimentos foram semelhantes com taxas acima de 96%, mas aqui vale uma reflexão.
Os trabalhos mais antigos de cirurgia nesse contexto nos mostravam que 30% dos indivíduos evoluíam com regurgitação mitral moderada ou superior ao longo de 1 ano e a explicação para essa diferença é que a troca cirúrgica foi mais indicada no trial atual.
De forma a entendermos melhor os trabalhos, os resultados no braço da intervenção transcateter foram semelhantes ao que encontramos no COAPT trial, mostrando resultados bem interessantes, mas que são relacionados a centros de elevada expertise, o que pode tornar a extrapolação desses resultados um pouco desafiadora.
O grupo de pacientes envolvidos nesse paper apresentavam fração de ejeção reduzida, mas sendo que mais da metade tinham valores acima de 40%, mostrando não estarem tão avançados assim em suas miocardiopatias.
Esses dados nos sinalizam que a abordagem transcateter parece que veio para ficar e pode figurar no nosso arsenal terapêutico dos indivíduos com regurgitação mitral e queda na fração de ejeção. A questão parece ser entendermos melhor o timing ideal e o status do miocárdio.