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Mismatch pós-TAVI

Um match nem sempre perfeito

De um encontro especialmente “escolhido a dedo”, esperam-se compatibilidades. Como se fala hoje em dia: a tal busca por um “match”.

Em doenças valvares, costumamos chamar de mismatch a ocorrência de desproporção prótese-paciente, ou seja: quando a área do orifício efetivo (AOE) de uma prótese [seja ela implantada cirurgicamente (SAVR) ou transcateter (TAVI)] é pequena para a superfície corpórea do paciente. A definição de mismatch é quando essa área apresenta valores <0,85 cm²/m² (ou <0,70 cm²/m² para obesos); e valores <0,65 cm²/m² refletem gravidade.

Nas cirurgias de troca valvar aórtica, já foi demonstrado que apresentar mismatch implica em pior prognóstico; enquanto na TAVI isso parece ocorrer em menor frequência e com menor gravidade (a exemplo do que foi mostrado no EVOLUT trial, em pacientes de baixo risco cirúrgico). Desta forma, entender o real impacto do mismatchpós-TAVI na mortalidade tem se demonstrado fundamental na prática clínica e, portanto, esta foi a pergunta da primeira metanálise sobre o tema, lançada no JACC em maio de 2023.

Por algum tempo estudos de metanálise foram considerados o mais alto nível de evidência científica da medicina. Mas para desfechos tempo-dependentes, como mortalidade, as medidas de associação tradicionais demonstraram-se insatisfatórias, pois falham em reconhecer alguns princípios centrais da análise de sobrevivência, como os riscos proporcionais e a censura. Assim, os autores desta metanálise cuidadosamente analisaram os dados utilizando o atual padrão-ouro: a “abordagem pela curva”. Neste método, dados individuais de mais de 80.000 pacientes pós TAVI, provenientes de 23 estudos, foram extraídos através das curvas de Kaplan-Meier.

A incidência total de mismatch (moderado ou grave) foi de 23,9% e esteve associada à maior mortalidade em 60 meses, comparados aos pacientes sem mismatch, em uma primeira análise. Entretanto, notou-se que tal mortalidade não era proporcional ao longo do tempo, pois aos 30 meses as curvas se cruzaram, sugerindo inversão da relação da desproporção com óbito a partir deste período. Por isso, os autores realizaram análises subsequentes (B-splines e landmark analyses), separando as curvas de sobrevida de acordo com o tempo. A conclusão foi de que, em até 30 meses pós-TAVI, a presença de mismatch está estatisticamente associada à maior mortalidade. Entretanto, após esse período, essa relação se perde e pacientes com mismatch passam a não morrer mais do que aqueles sem desproporção.

Mas sabemos que existem muitos graus de mismatch e isso costuma ser relevante em termos de correlação com os sintomas do paciente na prática clínica. Por isso, uma análise separada pelo grau de desproporção também foi realizada. Enquanto um grau moderado não está associado à menor sobrevida, o mismatch grave está não só relacionado a maior, mas a constante risco de mortalidade pós-TAVI, proporcional ao longo do tempo – ou seja, antes, durante e após 30 meses.

No dia a dia do planejamento pré-TAVI já percebemos certa predileção por próteses supranulares em casos em que se antevê risco aumentado de mismatch. Corroborando essa prática, no estudo de subgrupos separados por tipos próteses (supraanulares x intranulares), a presença de mismatch grave não se associou a maior risco de óbito quando utilizadas as próteses supranulares.

Dentre as limitações desta meta-análise, algumas merecem destaque: 1) nem todos os estudos incluídos consideraram o ajuste ae área efetiva de fluxo para obesos. 2) O único desfecho avaliado foi “mortalidade por todas as causas”, portanto carecemos de dados referentes a outros desfechos potencialmente importantes como AVC, IAM, re-hospitalizaçao, insuficiência renal. 3) Apenas 5% dos pacientes analisados foram submetidos a valve-in-valve (ViV), procedimento que sabidamente apresenta maior risco de mismatch, e cuja incidência têm crescido exponencialmente nos últimos anos.

Portanto, quando o assunto é a escolha da prótese valvar para a TAVI, seja racional: prepare a data, o lugar, a modalidade e a melhor companheira para que o implante seja um bom match. Aproveite as dicas que esta metanálise nos trouxe para antecipar as incompatibilidades e antever problemas. Seguimos atentos nas novidades do mundo da cardiopatia estrutural e nos próximos estudos que esclareçam como prevenir as complicações e facilitem a escolha pelo match perfeito.

Literatura Sugerida: 

1 – Sá MP, Jacquemyn X, Van den Eynde J, Tasoudis P, Dokollari A, Torregrossa G, Sicouri S, Clavel MA, Pibarot P, Ramlawi B. Impact of Prosthesis-Patient Mismatch After Transcatheter Aortic Valve Replacement: Meta-Analysis of Kaplan-Meier-Derived Individual Patient Data. JACC Cardiovasc Imaging. 2023 Mar;16(3):298-310. doi: 10.1016/j.jcmg.2022.07.013. Epub 2022 Sep 16. PMID: 36648055.

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