Quando um paciente entre 50 e 60 anos precisa de substituição da válvula aórtica, a dúvida é inevitável: prótese mecânica ou biológica? Essa decisão vai muito além da técnica cirúrgica, envolve qualidade de vida, risco de reoperações e a perspectiva do paciente sobre o uso contínuo de anticoagulantes.
As diretrizes da European Society of Cardiology (ESC) recomendam válvulas mecânicas em pacientes com menos de 65 anos, enquanto a American Heart Association (AHA) considera aceitável o uso de biopróteses a partir dos 50 anos. A controvérsia persiste porque, embora as biopróteses evitem anticoagulação, elas têm risco maior de degeneração estrutural (SVD), especialmente em pacientes mais jovens.
Uma publicação interessante acompanhou mais de 990 pacientes austríacos com menos de 50 anos submetidos à substituição cirúrgica da válvula aórtica entre 2010 e 2020 (figura 1). Destes, 592 receberam próteses mecânicas e 399 biopróteses. A idade mediana foi de 43 anos, em uma população com acesso universal à saúde — fator relevante ao comparar com realidades de países como o Brasil.
A primeira mensagem do estudo é tranquilizadora: a sobrevida em 10 anos foi semelhante entre os grupos — a taxa de sobrevida global em 10 anos foi de 90% (IC: 87–93%) para pacientes que passaram por uma substituição valvar mecânica e 84% (IC: 80–89%) para aqueles que receberam uma bioprótese. Apesar da sobrevida menor no grupo das biopróteses, os dados estatísticos não apontaram uma associação significativa entre o tipo de prótese e a longevidade do paciente (HR = 1,216; IC: 0,806–1,834; P = 0,352).
Fatores determinantes e que impactaram a sobrevida foram idade, insuficiência cardíaca (IC), cardiopatias valvulares e inflamatórias, cardiomiopatias e doenças pulmonares mostraram forte impacto na longevidade dos pacientes.
Se a sobrevida é parecida, o risco de reoperação conta outra história. Em 10 anos, 3% dos pacientes com próteses mecânicas precisaram de nova cirurgia, enquanto no grupo das biopróteses essa taxa foi de 11% (HR = 2,770; P = 0,003), ou seja, quase três vezes maior (figura abaixo).
E reoperar não é trivial. A mortalidade em 10 anos após uma reoperação chegou a 34%. Esse dado deve estar no centro de qualquer conversa com pacientes que cogitam uma bioprótese.
Diante de dados tão claros, você pode estar se perguntando: por que tantos pacientes abaixo de 50 anos ainda optam pela bioprótese? Afinal, 40% dos pacientes austríacos dessa faixa etária escolheram essa opção.
O fator mais óbvio é a vontade de evitar anticoagulação crônica, especialmente em mulheres que planejam engravidar. Mas há também um componente cultural e psicológico importante: a ideia de “livrar-se” de medicamentos e exames de monitoramento frequentes soa libertadora para muitos pacientes. Esse desejo de “voltar à vida normal” é algo que nós, como cardiologistas, precisamos acolher e trabalhar com o paciente durante o aconselhamento, entendendo seus medos e perspectivas sobre seu futuro.
Muitos estudos discutem se a função hemodinâmica e o risco de complicações tromboembólicas são melhores em pacientes com bioprótese ou com prótese mecânica. O que sabemos é que, no caso das biopróteses, há um risco maior de degeneração valvar estrutural subclínica, que ocorre de forma progressiva e dependente da idade. Isso pode aumentar a sobrecarga no miocárdio, podendo impactar a função do coração.
Estudos recentes mostraram que biopróteses de origem animal ativam a produção de anticorpos anti-Gal e a cascata do complemento, favorecendo degeneração precoce e falha valvar. Além disso, metabolismo de cálcio acelerado e respostas imunológicas contra tecidos biológicos são fatores que aceleram esse processo.
Quer um dado impressionante? Estudos recentes mostraram que mais de 40% dos pacientes com menos de 65 anos que receberam uma bioprótese desenvolveram degeneração valvar estrutural subclínica.
Outro dado interessante dessa publicação é que não houve diferença significativa entre os grupos em relação a infarto, AVC ou insuficiência cardíaca após um acompanhamento médio de 6 anos. Essa é uma boa notícia, mas deve ser interpretada com cautela, já que o número absoluto de eventos foi pequeno e diferenças relevantes podem surgir em seguimentos mais longos.
O estudo reforça que a decisão sobre o tipo de prótese não pode ser resumida a “mecânica versus biológica” — ela é uma conversa franca e individualizada com o paciente em que devemos apresentar os seguintes pontos de forma clara:
E não basta jogar esses dados na mesa. Precisamos entender os valores e prioridades do paciente:
A resposta certa para cada paciente só surge quando aliamos ciência, empatia e individualização.
Novas técnicas, como a remoção do antígeno alfa-Gal e biopróteses geneticamente modificadas, podem prolongar a durabilidade desses dispositivos no futuro. Ainda estamos longe de uma solução definitiva, mas essa é uma linha de pesquisa que vale a nossa atenção.
Assim, ainda não temos uma resposta única, mas as publicações oferecem uma lente mais clara para olharmos a realidade. A escolha da prótese aórtica em pacientes entre 50 e 60 anos vai além da técnica — é uma decisão que mistura ciência, valores e expectativas de vida.
Cabe a nós, cardiologistas, transformar essa decisão em uma conversa rica, honesta e individualizada. Afinal, não estamos apenas escolhendo uma válvula — estamos ajudando nossos pacientes a escolher como querem viver o resto de suas vidas.
Literatura Sugerida:
1 – Traxler D, Krotka P, Reichardt B, Copic D, Veraar C, Mildner M, et al. Revisiting aortic valve prosthesis choice in patients younger than 50 years: 10 years results of the AUTHEARTVISIT study. Eur J Cardiothorac Surg.2024;65(1):ezad308. doi:10.1093/ejcts/ezad308.
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