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TAVI ambulatorial

Utopia ou realidade?

     A terapia cirúrgica sempre ocupou espaço de tratamento padrão das doenças cardiovasculares coronariana e valvar. No entanto, com a evolução e o aprimoramento das técnicas percutâneas transcateter, esse tipo de abordagem vem crescendo ao longo das últimas décadas e atualmente encontra-se consolidada para o tratamento de diversas condições cardiovasculares.

Esse aprimoramento das terapias por cateter resultou em uma diminuição no número de procedimentos cirúrgicos, redução do tempo de internação e melhor satisfação dos pacientes.

     Neste contexto, a angioplastia coronariana que foi a pioneira nesse tipo de tratamento, tornou-se tão segura a ponto de ser possível realizá-la de forma ambulatorial, em casos selecionados, com alta no mesmo dia após breve período de observação (em torno de 6h).  Estudos demonstram uma incidência de eventos semelhantes a dos pacientes que permaneceram pelo menos um dia internados após a intervenção.

     Muitos são os benefícios de um protocolo de alta no mesmo dia. Entre eles podemos destacar uma maior comodidade do paciente, redução de custos hospitalares e menor incidência de delirium e infecção (principalmente em pacientes idosos), tornando-se uma estratégia interessante tanto para o paciente, quanto para o sistema de saúde.

     Mas será que em procedimentos em cardiopatias estruturais, como TAVI ou Reparo valvar mitral borda-a-borda, seria possível o paciente receber alta no mesmo dia?

Uma revisão publicada no JACC Intervention no ano de 2023 traz uma revisão bastante interessante sobre o tema. Ainda são poucos os dados de pacientes que realizaram TAVI e receberam alta no mesmo dia, no entanto os resultados são animadores. Apesar de não haver nenhum trial prospectivo randomizado sobre esta questão, alguns estudos observacionais demonstraram a segurança da alta no mesmo dia para pacientes com características favoráveis e sem complicações maiores no procedimento. 

Porém, antes de pensar em alta no dia do procedimento o paciente deve preencher uma série de pré-requisitos (check-list):

 

  1. O procedimento deve ser isento de complicações maiores, as quais irão resultar em uma necessidade de arsenal diagnóstico e tratamento em estrutura hospitalar.
  2. O paciente deve permanecer em observação por, no mínimo, seis horas, em ambiente com monitorização eletrocardiográfica contínua e de sinais vitais, a fim de se detectar distúrbios de condução ou outras complicações que podem não ser imediatas no pós-TAVI.
  3. Após o procedimento, o paciente deve realizar um ecocardiograma para verificar o funcionamento da prótese e descartar complicações como derrame pericárdico, além da realização de um eletrocardiograma antes da alta.
  4. O paciente e familiares devem estar conscientes da possibilidade de alta no mesmo dia e, juntamente com a equipe médica, se sentirem seguros e confortáveis com esta estratégia.
  5. Antes da alta, deve-se garantir que o paciente ou seus familiares estejam com as medicações necessárias em mãos e compreendam todos os itens da receita.
  6. É necessário que o paciente tenha um fácil acesso ao serviço de urgência em caso de intercorrências em casa e que ele possua algum suporte familiar 24h por dia para auxílio. Além disso, a equipe assistente deve entrar em contato com o paciente precocemente (24-48h) por telefone e o paciente deve voltar ao consultório médico entre 7 a 14 dias.

Especificamente sobre a realização de TAVI com alta no mesmo dia, além dos pré-requisitos descritos acima, aconselha-se que o procedimento seja realizado de forma minimamente invasiva –  sob sedação leve ao invés de anestesia geral (como já realizado na maioria dos casos), evitando a sondas vesicais e outras invasões que não sejam essenciais para o caso. Sugere-se também a realização de uma angiografia do sítio de inserção da bainha da TAVI, através do acesso contralateral, para garantir que não haja complicações vasculares importantes.

Uma das maiores preocupações se dá pelo risco de desenvolvimento de distúrbios de condução avançados mais tardios. Por esse motivo, a estimativa do risco de desenvolvimento de distúrbios de condução avançados deve ser realizada de forma criteriosa durante a avaliação pré-procedimento, por exemplo:  pacientes de alto risco não devem ser considerados para esse tipo de estratégia, já pacientes que possuem marcapasso definitivo podem ser selecionados porque já encontram-se protegidos. Para realizar uma monitorização mínima de 6h, é recomendado que os procedimentos com possibilidade de alta no mesmo dia sejam alocados para realização o mais cedo possível, para que esse período seja respeitado.

Apesar de a maior preocupação estar relacionada aos distúrbios de condução que podem ocorrer mais tardiamente, os dados atuais demonstram que a ocorrência de bloqueios de alto grau ou morte súbita é incomum. Uma estratégia proposta para estratificar esse risco é a possibilidade de se realizar uma estimulação atrial no pós-procedimento a 120 bpm. A ausência do desenvolvimento do fenômeno de Wenckebach durante a estimulação do átrio direito demonstrou alto valor preditivo negativo (98,7%), porém entre os que apresentaram essa alteração apenas 13,1% necessitaram do implante de marcapasso.

     Com relação a alta no mesmo dia no reparo valvar mitral borda-a-borda transcateter (MitraClip) os dados são ainda mais escassos, com apenas uma série de casos com 6 pacientes e um registro norte-americano com 82 pacientes. Há uma maior dificuldade de se realizar essa estratégia pelas características intrínsecas do procedimento, principalmente pela necessidade de anestesia geral para uso de ecocardiograma transesofágico.

     Entretanto, assim como em outros procedimentos em que a anestesia geral é utilizada, a estratégia de alta no mesmo dia poderia ser executada com segurança se a extubação for realizada de forma precoce no pós procedimento imediato e uma monitorização cuidadosa no período de observação intra-hospitalar.

     Em suma, a realização de alta no mesmo dia em procedimentos intervencionistas transcateter é a realidade em muitos centros. A intervenção cardíaca estrutural caminha nesse sentido. Vale ressaltar que essa estratégia deve ser considerada após um procedimento sem complicações maiores e com um período de monitorização mínima adequado. Além disso, o seguimento após o procedimento deve ser realizado de forma programada e sistematizada, a rede de suporte social bem estabelecida incluindo o entendimento adequado da importância do uso das medicações prescritas e o acesso ao sistema de saúde de emergência deve estar garantido.

Literatura Sugerida:

1 – Krishnaswamy A, et al. Same-Day Discharge After Elective Percutaneous Transcatheter Cardiovascular Interventions. J Am Coll Cardiol Intv. 2023;16(13):1561–1578.

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