É interessante discutir aspectos da clipagem da valva mitral em casos de regurgitação mitral de etiologia funcional depois que tivemos as publicações do COAPT e do MITRA-FR e o embasamento dos resultados díspares por causa do conceito da insuficiência mitral desproporcional.
Recentemente acompanhamos a publicação do RESHAPE, que também avaliava o impacto do uso da clipagem da valva mitral em pacientes com insuficiência mitral funcional e que de certa forma vem para dar força a alguns aspectos fisiológicos desses pacientes.
A avaliação superficial do último trial a ser publicado, o RESHAPE pode induzir o leitor a achar que ele corrobora o COAPT trial ao mostrar que a intervenção com MitraClip é positiva no composto morte e reinternação, mas para entendermos melhor, precisamos ir mais a fundo nos dados dessa coorte.
Inicialmente, trata-se de um grupo de pacientes algo diferente dos trabalhos anteriores. Temos um perfil de pacientes com ventrículos menos dilatados, o que se aproxima do COAPT, mas o grau da regurgitação mitral é proporcional ao tamanho do ventrículo, ou seja é uma regurgitação pequena, com ERO médio de 0,25cm2.
Quando separamos do desfecho a mortalidade da reinternação, o RESHAPE não mostrou no acompanhamento impacto isolado na mortalidade como temos no COAPT e isso merece uma reflexão.
Talvez o acompanhamento não seja ainda o suficiente para mostrar impacto em mortalidade em uma valvopatia que não é considerada importante e sim, no máximo moderada. Será que com 10 anos teremos algum impacto ou realmente intervir em uma valvopatia moderada não mude essa curva? Ainda é cedo para dizer.
Outro ponto de vista é entender que abordar pacientes em fases iniciais de repercussão hemodinâmica parece interessante e trazer algum grau de benefício sendo que o foco maior então seria o miocárdio e secundariamente a valvopatia.
Ainda soma-se a tudo isso o impacto das novas drogas no tratamento da insuficiência cardíaca com queda na fração de ejeção que podem apresentar evoluções positivas e alterarem o conceito que entendemos hoje. Tanto COAPT quanto MITRA-FR não tinham grande prevalência no uso das novas classes, mas com a realidade atual de evidências, uma nova avaliação pode ser necessária.
O que o RESHAPE nos traz é uma nova confirmação de que ventrículos muito dilatados não evoluem bem com a clipagem como aqueles menores, supondo inclusive um ponto de corte para volume diastólico final de 220mL, embora esse valor ainda seja muito pouco embasado.
Também fica que regurgitação desproporcional tratada com clipagem já pode apresentar impacto positivo na curva de sobrevida com 2 anos de acompanhamento, coisa que não é vista em regurgitação proporcional, seja diante de um ventrículo grande ou de um pequeno, mas com regurgitação moderada.
Aqui reafirmamos que a seleção cuidadosa do paciente ainda é fundamental, mas sempre depois de gastar todas as fichas na otimização máxima do tratamento clínico com as novas classes medicamentosas recentemente incorporadas ao tratamento padrão da insuficiência cardíaca com queda na fração de ejeção.