Quando um determinado dispositivo é aprovado para tratamento de uma cardiopatia estrutural, vemos um comportamento bem interessante em seu uso, a extrapolação de vários aspectos entendidos nos trials para o mundo real.
Com o uso do MitraClip foi visto algo muito interessante no tratamento da insuficiência mitral funcional após as publicações do COAPT e do MITRA-FR.
Foram observados os primeiros 5 mil casos tratados após o FDA aprovar o uso do dispositivo para esse fim e esse acompanhamento vai nos dar a oportunidade de entender alguns pontos não esclarecidos em sua totalidade nos trials.
Inicialmente, a geração do dispositivo usado no COAPT foi diferente do que o mundo real acabou indicando, o COAPT tinha modelos basicamente da segunda geração e atualmente a tendência é que a totalidade dos casos implantem, quando indicado, dispositivos da quarta geração.
Isso poderia nos dar desfechos bem diferentes, mas as taxas de sucesso do procedimento são equiparáveis, embora a complexidade de anatomias desafiadoras seja maior nos pacientes pós-aprovação do FDA.
Apenas 20% dos pacientes tratados no mundo real seriam, de fato, incluídos no COAPT, visto a rigorosidade metodológica do estudo e, como já abordamos em outros momentos aqui na plataforma, passamos a entender que existe um ponto mais maleável de seleção de pacientes que ainda se beneficia da intervenção, embora ainda não esteja tão claro assim.
As curvas de sobrevida, quando observamos os casos considerados como bem indicados, ao longo de 1 ano apresentaram efeito benéfico da intervenção, mas em menor amplitude do que no COAPT, podendo esse resultado ter sido impactado pelo tempo de acompanhamento relativamente curto.
Já a observação de descompensação da insuficiência cardíaca ficou mais clara já nesse acompanhamento publicado.
Com essa aplicabilidade no considerado mundo real, alguns questionamentos surgem e deverão ser postos a prova, como por exemplo, será que a intervenção em um estágio não tão avançado de insuficiência mitral funcional teria impacto positivo nesses pacientes? Resultados pós-intervenção poderiam ser mais tolerantes quanto a regurgitação residual e mesmo assim ter desfechos positivos?
Essa é uma das grandes vantagens das avaliações do uso dos dispositivos fora do mundo perfeito dos trials, o levantamento de novas hipóteses faz a ciência andar.
Será que já poderíamos entender os próximos passos? Talvez o debate seja um possível tratamento das lesões tricuspídeas concomitantes ou mesmo do uso de algoritmos impulsionados por inteligência artificial para selecionar os melhores casos para a intervenção e que responderão melhor… Os anos de uso dos dispositivos nos trarão grandes insights.