A Doença Cardíaca Reumática (DCR) é uma das complicações mais graves da Febre Reumática (FR), resultante de uma resposta autoimune tardia a infecções pelo estreptococo beta-hemolítico do grupo A de Lancefield. Contraída principalmente na infância, manifesta-se após um episódio de faringoamigdalite estreptocócica e pode desencadear um processo inflamatório sistêmico, atingindo coração, articulações, pele e sistema nervoso central.
A principal consequência é o acometimento valvar, que, sem tratamento adequado, evolui para fibrose e disfunção cardíaca irreversível. Estima-se que 40,5 milhões de pessoas convivam com essa enfermidade, resultando em aproximadamente 306 mil óbitos anuais. Apesar de prevenível, a DCR segue sendo uma das principais causas de morbimortalidade cardiovascular em crianças e jovens nos países em desenvolvimento, perpetuando um ciclo de vulnerabilidade social.
A relação entre faringoamigdalite estreptocócica e DCR já está consolidada na literatura médica, mas sua erradicação continua distante. A fisiopatologia da FR envolve o mimetismo molecular e a teoria do neoantígeno, nas quais proteínas do estreptococo, por sua semelhança estrutural com componentes do tecido cardíaco, induzem o sistema imunológico a atacar as valvas do coração, especialmente mitral e aórtica. Esse processo inflamatório crônico resulta na progressiva deformação e calcificação valvar, predispondo o paciente a insuficiência cardíaca, arritmias e outras complicações potencialmente fatais.
Desde os primeiros relatos do Dr. W.B. Cheadle no século XX, a DCR tem sido estudada com critérios diagnósticos e achados semiológicos, como o sopro proto-mesodiastólico de Carey Coombs. Com os avanços tecnológicos, a ecocardiografia tornou-se o principal método diagnóstico e foi incorporada como critério oficial em 2012, permitindo a detecção precoce e intervenções antes da instalação de lesões irreversíveis. Contudo, a acessibilidade a essa tecnologia ainda é limitada, devido à falta de equipamentos, escassez de profissionais capacitados e infraestrutura hospitalar precária, levando a diagnósticos tardios e intervenções cirúrgicas onerosas.
A prevenção da DCR é essencial e ocorre em três níveis. A prevenção primordial busca melhorar condições sanitárias e desenvolver uma vacina contra o estreptococo do grupo A. A prevenção primária envolve o diagnóstico precoce e tratamento da faringoamigdalite com penicilina, evitando a progressão para FR. A prevenção secundária, uma das mais eficazes, consiste na administração contínua de penicilina benzatina intramuscular, aplicada a cada três ou quatro semanas, prevenindo novas infecções e progressão da doença.
Apesar da eficácia dessas estratégias, a erradicação da DCR segue como um desafio global. A falta de interesse político no financiamento de uma vacina contra o estreptococo, dificuldades na distribuição da penicilina benzatina e falhas na implementação de programas de rastreamento populacional comprometem o controle da doença. Estudos em Uganda demonstraram que a profilaxia rigorosa reduz drasticamente a progressão da DCR latente, mas essa realidade não se reflete globalmente. Em muitos países, a penicilina benzatina ainda é escassa, dificultando a adesão ao tratamento preventivo. Além disso, a falta de campanhas de conscientização faz com que muitos pacientes e profissionais subestimem a importância do diagnóstico precoce e da profilaxia.
Mesmo após décadas de conhecimento acumulado e alertas da Assembleia Mundial da Saúde sobre a gravidade da DCR, a doença segue negligenciada nas agendas de saúde pública. O compromisso global para garantir que estratégias preventivas cheguem às populações vulneráveis ainda é insuficiente, refletindo uma negligência global em relação à DCR. A falta de coordenação entre governos, instituições de saúde e a comunidade científica perpetua o impacto da doença, que, apesar de evitável, continua a causar mortes desnecessárias.
Seguem alguns apontamentos:
– Embora bem documentada nos compêndios de Medicina Tropical, a Febre Reumática e a DCR permanecem relevantes, resultado da priorização globalista de doenças dos países desenvolvidos, negligenciando necessidades epidemiológicas das nações em desenvolvimento.
– É inegável a relação entre faringoamigdalite e DCR, assim como a necessidade de manutenção dos programas de profilaxia para controle da doença. A falta de interesse econômico no desenvolvimento de uma vacina contra o estreptococo e a deficiência na distribuição de antibióticos nas regiões de maior risco mantêm essa patologia de prevenção simples como um problema epidemiológico global.
Literatura Sugerida:
1 – DOUGHERTY, S. et al. Rheumatic heart disease: JACC focus seminar 2/4. Journal of the American College of Cardiology, v. 81, n. 1, p. 81–94, 2023.
Click Valvar Academy#616 – Cardiopatia Reumática, uma questão Humanitária
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