A insuficiência cardíaca é a via final da história natural das cardiopatias de forma geral. Dentro das alterações valvares não seria diferente, mas entender adequadamente os conceitos nesse ponto é fundamental, desde a simples informação, o que seria insuficiência cardíaca?
De forma prática, insuficiência cardíaca é marcada por uma elevação das pressões de enchimento cavitarias para se tentar manter um débito cardíaco adequado. Qualquer alteração cardiológica pode demandar esse mecanismo compensatório, que em fases avançadas, quando se esgotam os limites fisiológicos, geraria a queixa clínica de dispneia aos esforços.
Agora concentrando na cardiopatia estrutural, a presença de uma insuficiência cardíaca com queda na fração de ejeção é frequentemente acompanhada por insuficiência mitral de etiologia funcional, o que gera uma sobrecarga volêmica adicional ao quadro base que gerou a queda na fração de ejeção.
Nesse contexto, sabemos que clinicamente esses pacientes se apresentam várias vezes com descompensação da insuficiência cardíaca demandando atendimentos em pronto-socorro ou mesmo de internações hospitalares. As causas para essa intercorrência podem ser exclusivamente cardiovasculares, como ingesta excessiva de líquidos, má aderência medicamentosa ou agudizações de doenças cardiovasculares, como novos infartos, ruptura de cordas tendíneas, etc. Também vemos uma incidência maior de descompensação por motivos extra cardíacos, como quadros infecciosos ou piora da função renal.
Ainda não é claro se, de acordo com a causa da descompensação, teríamos uma evolução pior, por exemplo, uma descompensação por má aderência medicamentosa é menos grave do que uma por um quadro infeccioso de vias urinárias?
Observando os pacientes do MITRA-FR, composto por pacientes com insuficiência cardíaca e queda na fração de ejeção de forma avançada e insuficiência mitral, foi visto que a descompensação é uma situação com grande morbidade associada, mas aparentemente não se distinguem de acordo com sua origem.
Nessa população em específico, a descompensação por causa cardiovascular foi mais prevalente, mas, após o ajuste para os confundidores, não houve uma diferença que justificasse um cuidado especial destinado a alguma causa de gatilho. Todas as formas são graves em mesma intensidade.
Em uma população selecionada homogênea de pacientes com insuficiência cardíaca grave com fração de ejeção reduzida, com acompanhamento prospectivo próximo, foi demonstrado mais uma vez que a essas descompensações são um importante preditor de morte por todas as causas ao longo dos anos.
E mais, os resultados das principais publicações mostram que cada descompensação temos um acréscimo de 25% no risco relativo de morte em 2 anos.
Observando agora todos os gatilhos possíveis, arritmias supraventriculares e quadros infecciosos são os principais responsáveis pelas agudizações da insuficiência cardíaca.
Vale ressaltar que em coortes algo diferentes, como nos pacientes com insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada, esses achados podem ser diferentes, visto que são condições cardiovasculares distintas.
Então mesmo que o MVarc tenha separado as causas de descompensação da insuficiência cardíaca entre causas cardiológicas e não cardiológicas, nesse tipo de paciente, parece que essa minúcia não faz tanta diferença assim.
Isso também ratifica que um dos principais objetivos é evitar o gatilho e uma vez diante da descompensação, o clínico deve incessantemente buscar pela causa, seja cardiovascular ou não.
Ainda há a hipótese de que as descompensações primárias, relacionadas a causas cardiovasculares, da insuficiência cardíaca são mais frequentes nos estágios finais da doença, em oposição à relacionada a fatores precipitantes externos, mais frequentes no início da evolução.
Esses são pacientes complexos, multifatoriais e que tem uma comorbidade elevada o que dificulta entendermos causas e consequências. A insuficiência mitral nesse caso é pano de fundo? Fator desencadeante ou redutor de reserva? Falta muito a se estudar nesse contexto…