Sempre observando aspectos recentes na pesquisa da fisiopatologia das doenças valvares, temos presenciado uma mudança de abordagem com relação ao miocárdio. Inclusive, a interpretação da repercussão hemodinâmica que determinada valvopatia causa, passa quase que obrigatoriamente pelo comportamento dos mecanismos compensatórios do ventrículo esquerdo.
As bases fisiológicas que explicam essa dinâmica nos direcionam para conceitos de stress de parede que é mais complexo do que pensamos, mas apresenta princípios relativamente simples o que na prática pode nos colocar diante de situações ainda inexplicadas.
De forma geral, quanto maior o volume de sangue dentro do ventrículo, maior tem que ser a força contrátil e maior a tensão de parede ventricular. Esse conceito também engloba o mecanismo de Frank Starling.
Independente disso, uma vez que o miócito se encontra sobrecarregado, surge um mecanismo de hipertrofia que se desenvolve para equilibrar esse gasto metabólico. Uma vez que chegue no limite, ocorre proliferação da matriz extracelular e acúmulo de colágeno com desenvolvimento de fibrose e evolução clínica para disfunção sistólica do ventrículo e insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida.
Mas alguns pontos nos chamam atenção quanto estudamos a fundo esse comportamento do miocárdio diante das valvopatias.
Diante de uma sobrecarga de pressão, como na estenose aórtica, vemos que o stress sistólico da parede se eleva, levando a uma hipertrofia concêntrica por aumento do diâmetro do miócito. Uma vez retirar a obstrução, como no tratamento intervencionista, o estímulo cessa e podemos encontrar regressão da hipertrofia ao longo do acompanhamento.
Quando avaliamos uma sobrecarga de volume, como na regurgitação mitral, embora as bases teóricas sejam as mesmas, o comportamento é algo diferente. Ocorre um aumento do stress diastólico de parede, ocasionado pela dilatação da cavidade. A carga de tensão no miócito distendido aumenta pelo maior volume diastólico. Também encontramos nesse ponto um aumento da tensão sistólica, pois para expulsar mais volume de sangue, precisamos de maior força contrátil, muito bem explicado pelo mecanismo de Frank-Starling.
Obviamente, todos esses fatores são multivariáveis e sofrem interferência de vários aspectos como volume da cavidade, complacência e presença de função atrial preservada.
Diferente do que vemos na sobrecarga de pressão, retirar o volume regurgitante parece não ser tão efetivo para iniciarmos o remodelamento reverso. Ao tratarmos, por exemplo, uma regurgitação mitral, reduzimos o stress diastólico da parede pela queda na pré-carga, mas como a cavidade ainda está dilatada e com volume diastólico final alto pelo remodelamento ocorrido na vigência da valvopatia, o stress de parede sistólico não se reduz imediatamente, gerando ainda algum grau de sobrecarga. Na sístole o ventrículo ainda tem que pressurizar um grande volume de sangue de um ventrículo dilatado o que requer maior gasto de energia.
Isso poderia sugerir que o timing ideal para intervenção entre as valvopatias possa ser diferente, de acordo com o tipo de sobrecarga e grau de repercussão hemodinâmica, ou ainda que existam valvopatias em que o coração é melhor adaptado a lidar do que outras.
Enfim, há muito a se estudar sobre temas básicos da cardiologia para tentarmos desvendar o comportamento de valvopatias complexas.