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INVICTUS TRIAL

Banho de água fria nos DOAC’s

A ciência é, sem a menor sombra de dúvidas, uma das melhores e maiores ferramentas que temos a nosso dispor para entender melhor a Medicina. Digo isso, pois havia uma grande onda da expansão da indicação dos DOAC’s, os anticoagulantes de ação direta na cascata da coagulação, e era difícil encontrar alguém que imaginasse que essa droga fosse inferior à varfarina em qualquer coorte.

Como essas generalizações não se embasam apenas no “eu acho” ou ainda no “parece ser” foi publicado nesse final de semana no congresso da ESC em Barcelona um dos braços do INVICTUS TRIAL, testando o uso dos DOAC’s agora na estenose mitral de etiologia reumática.

Uma publicação anterior desse trial foi o RIVER que abordou o uso dos DOAC’s em pacientes com implante prévio de biopróteses e acabou referendando o uso dessa classe medicamentosa nesse contexto que antes era duvidoso.

Pacientes portadores de cardiopatia reumática tem características diferentes dos demais pacientes e devem ser estudados à parte. Desde a faixa etária e predominância de sexos até mesmo a possibilidades fisiopatológicas de inflamação e evolução da doença não claramente entendidos.

Assim desenhou-se um estudo de não inferioridade da rivaroxabana (15 ou 20mg) em pacientes com cardiopatia reumática, predominantemente com estenose mitral em comparação com a já consagrada varfarina (na faixa de INR 2-3), mas que carrega uma série de possíveis complicações muito relacionadas a sua posologia e biodisponibilidade lábil.

Foram incluídos pacientes com área valvar mitral menor do que 2cm2 e presença documentada de fibrilação atrial ou flutter atrial em algum momento da evolução. É bem verdade que pacientes com área valvar entre 1,5 e 2cm2 não são considerados como portadores de estenose mitral importante, mas discreta, com algum grau de repercussão hemodinâmica e nessa publicação temos um número interessante. Foram incluídos perto de 30% dos casos com estenose mitral considerada discreta e 15% nem estenose mitral tinham, trazendo um dado a ser considerado: Apenas 55% dos pacientes incluídos tinham estenose mitral importante.

Quando o paciente não apresentasse estenose mitral, a inclusão era realizada baseada em ter um CHADSVASC2 pelo menos de 2 e/ou presença de contraste espontâneo ou trombo na ecocardiografia.

Embasado em mais de 4500 pacientes, o resultado desse paper basicamente veio na contramão das mais recentes publicações, colocando que a rivaroxabana apresentou mais eventos negativos do que a varfarina nessa coorte específica. Houve um aumento de 25% no risco de desfecho como AVC, embolia sistêmica, IAM ou mortalidade no grupo que recebeu a rivaroxabana.

Avaliando ainda outro desfecho em separado, foi visto que a mortalidade foi ainda menor no grupo que fazia uso da varfarina, mas isso deve ser interpretado com um viés. Pacientes que faziam uso da varfarina, obrigatoriamente, devido a sua posologia, tinham consultas médicas mais frequentes o que pode ter influenciado nesse aspecto.

Quando avaliado isoladamente AVC, o número de eventos foi abaixo do predito anteriormente, podendo ter influenciado a análise estatística, mas com um número de pacientes incluídos como esse, fica difícil entender que o acaso nos trouxe poucos eventos. Talvez hipervalorizássemos a ocorrência de AVC nessa população? Difícil dizer.

O combinado de AVC e evento embólico foi semelhante nos dois grupos, mas o item mortalidade acabou desequilibrando essa balança a favor da tradicional varfarina.

O curioso dessa publicação é que a maior mortalidade no grupo rivaroxabana não está relacionada a ocorrência de AVC ou sangramentos maiores e nem com a progressão da doença valvar, visto que ambas as variáveis são iguais entre os grupos.

Se não foi o efeito principal da medicação a responsável por diferir o desfecho mortalidade entre os grupos, o que de fato pode ter acontecido? Ainda não encontramos explicações plausíveis para isso, visto que o dado duro que temos aqui é que no grupo rivaroxabana tivemos mais mortes cardiovasculares, morte súbita e morte por falência de bomba, ou mais claramente, insuficiência cardíaca.

Quer outro achado bem curioso nessa publicação? Os desfechos foram muito semelhantes até 18 meses de acompanhamento, sendo que a curva se distancia de fato, após 3 anos de seguimento. Será que algo metabólico de longo prazo fez a diferença? Também não sabemos bem… A publicação chama isso de possível atraso do benefício do uso da varfarina, independente do controle do INR, como se fosse algum benefício específico da varfarina sobre o metabolismo de pacientes com cardiopatia reumática, ou seja, também não entendem bem…

Em resumo temos que agora, a terapia com antagonista da vitamina K, a varfarina, levou a uma menor taxa de acidente vascular cerebral isquêmico em pacientes com fibrilação atrial associada à doença cardíaca reumática e menor mortalidade por causas vasculares, sem aumentar significativamente a taxa de sangramento maior.

E detalhe, posso falar que estenose mitral reumática tem evidência suficiente para contraindicar DOAC? Não, pois temos uma coorte heterogêna nesse sentido, como dito, apenas 55% tinham estenose mitral importante.

Mas então, paciente com estenose mitral reumática pode usar DOAC’s? Até o momento a resposta é não, pois não há evidências!

Literatura Sugerida: 

1 – Connolly SJ, Karthikeyan M, Ntsekhe M, et al. Rivaroxaban in Rheumatic Heart Disease–Associated Atrial Fibrillation. 10.1056/NEJMoa2209051.

 

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