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Trombose pós-TAVI

Superdiagnosticando, Supertratando ou superestimando os riscos?

Não é novidade que a substituição valvar aórtica por cateter (TAVI) revolucionou o tratamento da estenose aórtica grave, especialmente (porém não somente) para pacientes idosos ou de alto risco cirúrgico. Apesar dos avanços, a trombose de válvula transcateter emergiu como uma complicação que exige um olhar cada vez mais cauteloso visto que demonstrou-se ser uma complicação relativamente comum, podendo se apresentar de forma clínica ou subclínica. A interpretação dos achados de imagem, em especial da tomografia cardíaca 4D, é essencial para orientar o manejo. Embora a anticoagulação plena seja claramente indicada nos casos de trombose clínica, sua utilização em trombose subclínica ainda é motivo de debate.

Você deve estar se perguntando: mas porque a trombose acontece? A resposta desta pergunta resume-se a 4 fatores:

Fatores locais: baixo fluxo no “neo-sinus” (espaço entre prótese e seio de Valsalva – visível na figura abaixo) e calcificação nativa elevada favorecem a estase sanguínea.

Fatores do paciente: disfunção ventricular esquerda, alterações de coagulação, fibrilação atrial, idade avançada, obesidade, sexo masculino e doenças inflamatórias sistêmicas.

Fatores da prótese: Válvulas intra-anulares (ex.: Sapien) geram maior neo-sinus e estase comparado a supra-anulares (ex.: Evolut).

Fatores relacionados ao procedimento: A própria biomecânica interfere no risco, por exemplo: subexpansão, desalinhamento comissural e deformidade da prótese aumentam as chances de trombose.

Antes de irmos para o diagnóstico, qual a diferença da trombose clínica e subclínica ?

Trombose Clínica: caracterizada por espessamento hipodenso das cúspides (HALT) e/ou redução do movimento das cúspides (RLM), associadas a disfunção hemodinâmica (aumento de gradientes, insuficiência aórtica nova ou sintomas de insuficiência cardíaca). De acordo com as definições ecocardiográficas atuais, a trombose pós-TAVI é classicamente definida pela ocorrência de um gradiente médio ≥ 20 mmHg, por um aumento do gradiente de pelo menos 50% em comparação ao valor basal ou ainda por uma redução da área efetiva do orifício valvar para menos de 1,2 cm², sendo sua incidência entre 0,6% a 2,8%. Além disso, normalmente é detectada nos primeiros 3 meses pós-implante, mas casos tardios (até 5 anos) já foram relatados.

Subclinical Leaflet Thrombosis (SLT): presença de HALT e/ou RLM sem alteração hemodinâmica detectável. Aqui a incidência é muito variável: de 5% até 40%, dependendo do momento da imagem e da estratégia antitrombótica. Por exemplo, no trial PARTNER 3 (válvula Sapien 3, balão-expansível) detectaram HALT/RLM em 13% aos 30 dias e 28% em 1 ano. Já no trial Evolut Low-Risk (válvula autoexpansível Evolut), detectaram 17,3% de HALT aos 30 dias e 30,9% em 1 ano.

Então, é preciso realizar TC de rotina em todos os pacientes após TAVR para rastreio de trombose subclínica?

Não! Apesar da TC cardíaca 4D ser atualmente considerada o padrão-ouro para identificar HALT e RLM visto que é uma modalidade de imagem altamente sensível para detectar imobilidade de folhetos e trombose valvar, esta prática não é rotineira devido à considerações de custo e exposição à radiação, o que pode não ser justificável em pacientes assintomáticos ou sem sinais clínicos de trombose. Portanto, a TC 4D é geralmente reservada para pacientes com indicações clínicas e ecocardiográficas específicas, como aumento do gradiente médio, diminuição da fração de ejeção, ou eventos clínicos como acidente vascular cerebral ou ataque isquêmico transitório.

Como e quando deve ser feita a pesquisa de trombose de valva aórtica pós TAVI então?

A chave para o diagnóstico começa com um bom ecocardiograma transtorácico (TTE), que deve ser realizado rotineiramente no seguimento após TAVI (segue na tabela abaixo o cronograma conforme a AHA e ESC como deve ser o seguimento ecocardiográfico após tal procedimento). Se houver suspeita clínica — novos sopros, sintomas de IC, AVC isquêmico ou aumento dos gradientes valvares — o próximo passo é avançar para métodos de imagem mais precisos: Ecocardiograma transesofágico (TOE), sendo útil para avaliar mobilidade das cúspides e diferenciar trombo de vegetações.

Caso haja suspeita, portanto, partir para a TC 4D.

Como avaliar os achados pela TC? O primeiro passo é definir se há HALT e/ou RLM. Após, a ideia é graduar conforme as duas tabelas abaixo:

Mas a partir de qual grau devemos anticoagular o paciente? 

Devemos indicar o uso da heparina seguida de antagonista da vitamina K conforme a tabela abaixo. O papel dos DOACs ainda está sendo investigado.

 E o papel da anticoagulação preventiva?

Essa é uma área de intensa pesquisa. Sabemos que anticoagular rotineiramente todos os pacientes não traz benefícios e, pior, aumenta o risco de sangramento. Portanto, pacientes sem necessidade prévia de anticoagulação devem seguir apenas com aspirina. Além disso, a associação de dupla antiagregação (DAPT) prolongada também não é recomendada, salvo em casos específicos, como pós-stent coronariano recente. Já em pacientes com necessidade de anticoagulação crônica (ex.: fibrilação atrial), tanto antagonistas da vitamina K quanto DOACs podem ser usados, mas a escolha deve ser individualizada.

Importante também reforçar que uso profilático de anticoagulantes em todos os casos é desencorajado pelos dados de estudos como o GALILEO e o ATLANTIS.

 Se pudéssemos reunir apenas 3 lições principais captadas pelos seguintes estudos, quais seriam elas? obs: estudos considerados na pergunta→ PARTNER 3 (TAVI usando SAPIENS 3 x SAVR em paciente de baixo risco cirúrgico), Evolut Low-Risk (TAVI usando medtronic evolut x SAVR em paciente de baixo risco cirúrgico), ADAPT-TAVR (edoxabana reduziu trombose mas sem benefício neurológico), GALILEO (rivaroxabana reduziu HALT mas aumentou mortalidade) e ATLANTIS (apixabana reduziu SLT mas sem impacto clínico claro).

1)         A incidência de SLT pode chegar a 30% em 1 ano e a maioria dos casos é assintomática e não compromete a função valvar.

2)         Anticoagulação reduz HALT mas pode aumentar mortalidade e sangramento.

3)         Não há benefício comprovado em anticoagular SLT isolado assintomático.

Mas afinal, estamos então superestimando o risco, “superdiagnosticando” ou “supertratando” a trombose pós TAVI?” 

Bom, cientificamente ainda não temos esta resposta, porém, que existe uma tendência clara de uma realização excessiva e desnecessária da TC 4D pós o procedimento da TAVI existe sim. Apesar da trombose da válvula aórtica após TAVI ser mais comum do que imaginávamos, ela nem sempre exige tratamento agressivo. Isso porque outro ponto cego nesta história é que temos visto uma inclinação atualmente de muitos cardiologistas para anticoagular mais pacientes pós TAVI do que realmente devem ser anticoagulados.

Portanto, o desafio está em reconhecer os casos clinicamente de maneira adequada e encaixá-los nos planejamentos terapêuticos conforme descrevemos acima, atuando de forma equilibrada, pesando riscos e benefícios para cada paciente.

Ou seja, o mais importante: manter o seguimento clínico e ecocardiográfico estruturado é fundamental para detectar precocemente alterações que possam impactar a durabilidade das próteses e a qualidade de vida dos pacientes. Segue abaixo uma imagem muito interessante disponibilizada pelo artigo que inspirou este nosso debate resumido em fluxograma.

Literatura Sugerida: 

1 – Duarte F, Aguiar-Neves I, Guerreiro CE, Silva M, Ferreira ND, Fontes-Carvalho R. Valve thrombosis following transcatheter aortic valve replacement: State-of-the-art review. Catheter Cardiovasc Interv. 2025;105(4):813–824. doi:10.1002/ccd.31393.

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