Quando o COAPT foi publicado, muita coisa mudou no mundo das doenças valvares, principalmente sob o espectro da intervenção. É bem verdade que o impacto inicial não foi tão bem compreendido como deveria ter sido e muitas indicações inadequadas de implante de MitraClip começaram a surgir, muitas das vezes por desconhecimento técnico puro.
Com as grandes comparações fisiopatológicas que surgiram com o trial MITRA-FR, passou-se a conhecer melhor as respostas adaptativas dos ventrículos e a indicação passou a figurar, inclusive, nas diretrizes mais importantes sobre o tema.
Como tudo na cardiologia intervencionista, determinados procedimentos necessitam de tempo para maturarem seus resultados iniciais e provar que os benefícios encontrados são duradouros e causam real impacto na vida dos pacientes.
Semana passada, em uma publicação no ACC 2023, conhecemos os resultados de 5 anos de evolução dos pacientes do COAPT e os achados são muito interessantes.
Para estarmos no mesmo momento da discussão, o COAPT avaliou a evolução de pacientes que apresentavam insuficiência mitral de etiologia funcional, por dilatação ventricular e redução de sua fração de ejeção. Desses pacientes, um grupo foi submetido a tratamento clínico otimizado, incluindo todas as possibilidades disponíveis, como ajuste medicamentos e até ressincronização quando indicado. O outro grupo foi submetido ao mesmo tratamento, associado a reparo mitral transcateter com MitraClip.
Ao final de 2 anos de seguimento, o grupo tratado com MitraClip apresentou menor mortalidade e melhor sintomatologia. Agora a questão central é: Será que depois de 5 anos, esses resultados seriam mantidos?
O desfecho avaliado internação hospitalar praticamente se manteve nos mesmos níveis, com redução de 47% no braço de pacientes que se submeteram ao implante, adicional ao tratamento clínico, lembrando que os resultados de 2 anos apresentavam 49%.
Quando avaliado mortalidade a redução foi de 28% em 5 anos, com um NNT de 20, um resultado realmente expressivo, quando imaginamos em cardiologia intervencionista.
Talvez um dos pontos mais interessantes dessa publicação seja a comparação que podemos fazer em dois estágios de acordo com o tempo. Evolução do tempo 0 até 2 anos e de 2 a 5 anos. Digo isso, pois a diferença de mortalidade é bem demarcada na primeira fase do acompanhamento, demonstrado já com os resultados encontrados na publicação original do COAPT, mas quando observamos o segmento final, temos a impressão de que essas curvas param de se afastar, elas mantêm-se constantes em relação a sua evolução.
A grande explicação encontrada para justificar esses achados se dá pelo cross-over entre os braços. Antes de 2 anos, o paciente selecionado para tratamento clínico isolado não poderia implantar o dispositivo, mas depois de 2 anos, caso se mantivesse muito sintomático, ele poderia migrar e implantar o MitraClip.
Avaliando esses que realizaram o cross-over, vemos uma mudança grande na curva de mortalidade, exatamente como vimos na publicação inicial, com expressiva redução da mortalidade e sintomatologia.
Embora os dados sejam espetaculares, observando a totalidade, em 2 anos de acompanhamento, os pacientes que ficaram no braço de tratamento clínico tiveram sobrevida de apenas 50%, demonstrando a gravidade e prognóstico negativo dessa associação de queda na fração de ejeção e insuficiência mitral funcional.
Uma observação interessante que pode ser tirada desses achados é que, mesmo que alguma razão impeça o paciente de implantar o MitraClip em determinado momento, o implante a posteriori ainda mantém bons resultados e pode ser uma terapia interessante, mas vale lembrar que o risco de evolução para óbito nessa fase existe e não pode ser ignorada.
O uso das novas classes medicamentosas aprovadas para tratamento de insuficiência cardíaca também foi incorporado ao longo do acompanhamento e os dados encontrados não permitem entender se isso teve algum impacto nos resultados observados.
Em resumo, temos que, em casos selecionados de acordo com a correlação regurgitação e ventrículo esquerdo, o uso do Mitraclip após doses otimizadas de tratamento clínico pode ter impacto positivo em sintomas e mortalidade em acompanhamento de 5 anos. A partir do momento que vemos o implante do dispositivo, as curvas de sobrevida se distanciam bastante, mas trata-se de uma doença de elevada letalidade e com prognóstico, mesmo assim, desfavorável.