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Febre Reumática

Dos primeiros estudos ao Estado da Arte

A Doença Cardíaca Reumática é o resultado de dano valvular causado por uma resposta imune anormal à infecção pela bactéria Streptococcus beta-hemolíticos do grupo A (EBHGA).

 

Epidemiologia: dos primeiros estudos aos dias atuais

 

Em 1880, o médico Walter Butler Cheadle, através de análises clínicas, propôs pela primeira vez o conceito moderno do estado reumático. À época, Cheadle afirmou: “Não existe, talvez, nenhuma doença grave mais familiar para nós do que o reumatismo articular agudo; é um dos transtornos mais comumente vistos nas enfermarias de um hospital geral”. Entretanto, na metade do século XX, esta realidade mudou drasticamente. Com a modernização das cidades, a febre reumática praticamente foi erradicada em países mais ricos. De uma doença verdadeiramente global nos séculos XIX e XX séculos, a febre reumática tornou-se uma doença de aglomeração e pobreza no século XXI. Assim, apesar do enorme avanço, o Global Burden of Disease estima que 40,5 milhão de pessoas atualmente possuem cardiopatia reumática e 306 mil morrem por esta condição todos os anos.

 

Fisiopatologia: o percurso de hipóteses sobre ela

 

O ponto central do mecanismo fisiopatológico é constituído por uma resposta do sistema imunológico mediada por anticorpos (linfócitos B) e por células (linfócitos T) desencadeadas por mimetismo molecular entre antígenos do S. pyogenes, principalmente a proteína M e proteínas humanas. Ou seja, por meio da ativação do sistema imunológico após exposição e infecção do indivíduo pelo estreptococo, ocorre a produção de anticorpos neutralizadores do processo infeccioso. Contudo, esses mesmos anticorpos podem apresentar reatividade cruzada contra as próprias células, dentre elas as miocárdicas, neurológicas, articulares e possivelmente cutâneas, o que levaria a uma auto-reatividade causando, consequentemente, lesão tissular pelo mecanismo de mimetismo molecular. No tecido cardíaco, os linfócitos T produzem citocinas que estimulam o recrutamento de neutrófilos e macrófagos, células que provocam lesão tecidual. O resultado: espessamento dos folhetos, fusão, encurtamento das comissuras, e o espessamento e a fusão das cordas tendíneas.

Esta é a primeira hipótese acerca do mecanismo fisiopatológico da cardiopatia reumática. Porém, estudos mais recentes trouxeram a teoria do ´´neoantígeno“ que sugere o não envolvimento do mimetismo molecular ou falha do sistema imune. Tal hipótese sugere que o Streptococcus beta hemolítico do grupo A ganha acesso à matriz subendotelial de colágeno, onde as proteínas M se ligam à região CB3 do tipo colágeno IV, criando um neoantígeno que induz uma resposta autoimune contra o colágeno. Pelas semelhanças entre as várias formas de colágeno, esses anticorpos podem possuir como alvo o colágeno tipo I encontrado na válvula cardíaca, provocando ruptura e malformação da válvula.

 

Diagnóstico: Existe algo novo?

 

Atualmente o diagnóstico de febre reumática ainda se baseia nos critérios descritos pela primeira vez pelo Dr. T. Duckett Jones em 1944. Todavia, em 2015 esses critérios foram revistos pela American Heart Association (AHA) com o objetivo de melhor explicar as diferenças no risco populacional (Tabela 1).

Por que precisamos discutir e estudar mais a Febre Reumática?

Temos no Brasil, anualmente, aproximadamente 30.000 casos de Febre reumática, causados pelas 10 milhões de faringotonsilites. Enfatizando na Doença Reumática Cardíaca, temos uma incidência extremamente maior quando comparada a países desenvolvidos como os Estados Unidos da América. Em números mais exatos, nossa incidência é de 7 casos a cada 1000 escolares, enquanto nos EUA esse número cai para 0,1 a 0,4 casos/1.000 escolares.

Além disso, 70% dos pacientes com Febre Reumática aguda evoluem com cardite, sendo que um terço dascirurgias cardíacas realizadas no Brasil são decorrentes dessa moléstia. Transformando esses números em vidas, em 2004, ajustado por Incapacidade, 5,1 milhões de anos potenciais de vida foram perdidos, com um número absoluto de 280.000 mortes.

 

Prevenção e tratamento: o que podemos fazer?

As estratégias preventivas incluem prevenção primordial, primária, secundária e terciária. A primordial requer melhor acesso aos cuidados de saúde, controle da propagação da faringite estreptocócica e uma vacina efetiva.

Já a prevenção primária visa diagnosticar e erradicar o estreptococo reumatogênico da orofaringe. O agente de escolha é a penicilina e níveis séricos eficazes devem ser mantidos por 10 dias para a completa erradicação do microrganismo, podendo usar a Azitromicina em casos de alergia. A prevenção secundária envolve a prevenção da progressão da doença latente ou cardite reumática clínica, tendo que ser feita a vida inteira dependendo do caso.

Por fim, a prevenção terciária tem o objetivo de prevenir complicações, a fim de reduzir a morbimortalidade.Isso envolve o tratamento de insuficiência cardíaca, controle de arritmias, prevenção de endocardite, indicação e monitoramento adequado da terapia anticoagulante e prevenção de eventos embólicos cerebrais e sistêmicos.

 

Apontamentos:

  1. De uma doença global (séculos XIX e XX), a Febre Reumática tornou-se uma doença de aglomeração e pobreza (século XXI);
  2. Hoje, a evidência remete fortemente a um mecanismo imunológico na fisiopatologia. Há fortes evidências de que o dano inicial aos tecidos cardíacos é devido a uma alteração humoral na resposta à infecção pelo estreptococo. Uma segunda hipótese, traz a teoria do ´´neoantígeno“, que sugere o não envolvimento do mimetismo molecular ou falha do sistema imune;
  3. Hoje, ainda, o diagnóstico de febre reumática ainda se baseia nos critérios de Jones atualizado em 2015 pela American Heart Association (AHA);
  4. As estratégias preventivas incluem prevenção primordial, primária, secundária e terciária.
  5. Como vimos, a febre reumática é uma doença de característica infecciosa e autoimune, porém existe uma multifatorialidade genética, ambiental e social que corrobora para seu difícil controle. Frente a isso nos perguntamos qual deve ser o ponto chave no tratamento e erradicação da doença?

Literatura Sugerida: 

  1. Marijon, E. et al. Rheumatic heart disease. The Lancet, v. 379, n. 9819, p. 953–964, 10 Mar. 2012.

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