Barreiras ao adequado tratamento
Cada vez mais podemos encontrar uma ampla literatura sobre o tratamento intervencionista nas valvopatias e, na estenose aórtica, isso pode ser considerada uma das áreas mais consolidadas, por ter sido a primeira a ser contemplada com um tratamento transcateter nesse novo modelo de abordagem, o TAVI e ter sido profundamente estudada para melhor ser entendida.
Outro ponto é que, partindo da tradicional curva da história natural da estenose aórtica, viu-se que a etiologia calcifica apresentava um comportamento geral, com piora da sobrevida a partir do surgimento de sintomas. Outras etiologias podem ter comportamento distinto e a ampliação dessa plausibilidade fisiopatológica poderia ser comprometida.
Ainda nos dias atuais, uma parte considerável de pacientes portadores de estenose aórtica acabam não recebendo o tratamento mais apropriado por diversas razões, sejam elas sociais, anatômicas e até mesmo de conhecimento técnico da equipe de saúde que se propõem a conduzir casos como esses.
Numa análise global, ficaria fácil imaginar que grupos étnicos e raciais específicos de continentes como África e Ásia figuram entre os indivíduos menos assistidos com a qualidade devida, mas bolsões de pobreza em países desenvolvidos também tem casuística muito abaixo do esperado.
Nos Estados Unidos, áreas rurais ou regiões menos favorecidas apresentam dificuldades consideráveis para que o paciente seja submetido a um procedimento como um TAVI, seja simplesmente pelo deslocamento, seja pelo cuidado após a intervenção.
Basta observarmos os dados dos bancos de dados de TAVI no continente norteamericano. Mais de 90% dos pacientes assistidos eram considerados da raça branca e isso aponta para uma questão social forte.
Assim, podemos dividir as barreiras em 3 grandes tipos:
Relacionado ao Paciente
Relacionado à doença
Relacionado à equipe de saúde
O primeiro, relacionado ao paciente, passa muito por essas questões sociais já abordadas, mas também por questões culturais ainda presentes, como negação da doença e estigma da abordagem da cirurgia cardíaca.
Quando pensamos nas barreiras relacionadas à doença, nos vem a mente os pacientes muito complexos e de alto risco cirúrgico em que grande parte acaba sendo conduzida clinicamente. Isso já foi discutido algumas vezes aqui na plataforma do thevalveclub com dados do mundo real sobre o tratamento da estenose aórtica.
Quando falamos dos aspectos relacionados a equipe de saúde, o papel essencial do The Valve Club se reafirma.
A formação médica de forma ampla ainda é carente em diversos centros ao redor do mundo. O conhecimento técnico adequado acaba sendo deixado de lado em uma formação que não segue a seriedade necessária nem o comprometimento razoável das partes envolvidas: professor e aluno.
O desconhecimento da patologia em si, dos métodos diagnósticos disponíveis e a adequada interpretação dos achados acaba limitando que seja oferecido ao paciente um tratamento mais adequado segundo as luzes das evidências científicas.
A negligência com as bases fisiopatológicas de doenças tão prevalentes acaba sendo o gatilho para o ciclo vicioso que culminará em uma equipe de saúde ineficiente e despreparada.
Assim, o tratamento contemporâneo das valvopatias está em crescente impressionante, mas é extremamente necessário reforçarmos a formação médica de qualidade nessa área, ou alguém ainda duvida da elevada prevalência e da diferença positiva que pode-se causar na vida desses indivíduos?
Literatura Sugerida:
1- Batchelor W, Anwaruddin S, Ross L, et al. Aortic Valve Stenosis Treatment Disparities in the Underserved: JACC Council Perspectives. J Am Coll Cardiol. 2019 Nov 5;74(18):2313-2321.
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