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Evidências do MitraClip

Estudo clínico randomizado ou mundo real?

É de comum acordo que levar medicina de qualidade para nossos pacientes envolve muita dedicação. Parte importante disso envolve leitura, interpretação e aplicação de resultados trazidos por Estudos Clínicos Randomizados (RCTs), um modelo de pesquisa certamente consagrado no meio científico e que confere o maior nível de evidência nas diretrizes.

No mundo das valvopatias, em especial de doenças que são alvos de terapias transcateter, estudos randomizados emblemáticos, como o EVEREST II e o COAPT consagraram o uso do MitraClip como terapêutica de reparo bordo-a-bordo para insuficiência mitral. Mas será que é possível expandir os dados destes grandes trials, feitos em condições e com pacientes ideais, para o mundo real da prática clínica?

O primeiro estudo dedicado a responder a essa pergunta diz que sim. O EXPAND avaliou 1041 pacientes com insuficiência mitral moderada a grave de etiologias primária e secundária, submetidos ao implante de MitraClip de terceira geração em 60 centros nos Estados Unidos, Europa e Oriente Médio.

Como conclusão, desfechos do ‘real world study’ foram aparentemente melhores do que os dos trials randomizados controlados originais, incluindo aqueles que fomentaram originalmente o uso do dispositivo. Surpreendente?

No mundo real, após um ano de MitraClip, houve significativa redução da insuficiência mitral em mais de 80% dos pacientes, com melhora na classe funcional de NYHA e qualidade de vida, acessada pelo questionário de Kansas City Cardiomyopathy Questionnaire (KCCQ). As taxas de hospitalização por insuficiência cardíaca também caíram de 80% no ano anterior para 28% no ano seguinte ao implante do dispositivo.

Quando comparados tais resultados com os trials originais, a mortalidade em 1 ano foi menor no EXPAND do que no EVEREST II (14,9% e 22,8%, respectivamente), apesar de as populações incluídas em ambos serem de risco similares. Em relação à etiologia da insuficiência mitral, enquanto a mortalidade de portadores de etiologia secundária foi semelhante no EXPAND e no COAPT (17,7% vs 18,8%), houve diferença expressiva da mortalidade comparando-se aqueles com etiologia primária (12,5% no EXPAND e 23,8% no EVEREST II). As taxas de sucesso do implante, o sucesso imediato e o tempo do procedimento também se mostraram melhores no EXPAND comparados aos dados dos RCTs anteriores.

O que explica o aparente maior sucesso do MitraClip no estudo de mundo real? Há que se ponderar:

1) Certamente o ganho de experiência dos serviços ao longo dos 16 últimos anos desde os primeiros implantes de MitraClip não podem ser esquecidos;

2) Foi utilizado no EXPAND a terceira geração do dispositivo de MitraClip, sendo o XTR (aquele que apresenta braços mais longos) escolhido pela equipe na maioria dos casos, inclusive naqueles que não estariam incluídos no estudo EVEREST II pela anatomia considerada desfavorável (quando os dispositivos disponíveis eram ainda de 1a e 2ageração).

Fica claro que a otimização da tecnologia exerceu seu papel, culminando na eficiência do dispositivo mais moderno e provavelmente no maior sucesso dos implantes;

3) Da mesma forma, a melhora na capacidade de geração de imagens atualmente (com o uso de ecocardiograma transesofágico) e a abordagem em Heart Team, vêm formando uma combinação positiva para entrega de melhores resultados aos pacientes.

Portanto, a despeito dos excelentes resultados obtidos no EXPAND, a comparação direta entre Trials randomizados publicados há mais de 10 anos e estudos de mundo real atuais é, de certa forma, injusta.

Os Trials permanecem como a pedra angular na geração de evidências, por implicarem em causalidade por meio de intervenções e, logo, confirmarem a segurança e eficácia de novas terapias. Ainda assim, extrapolar os dados para cada paciente é sempre permeado de “poréns”, seja pela maciça participação da indústria nos trials ou pelas condições à beira da perfeição em que tais estudos são desenvolvidos.

Por outro lado, providencialmente, estudos de mundo real têm se destacado: seja pela maior diversidade, menor custo ou pela maior velocidade em que se geram as evidências. Neles, a maior dificuldade persiste na coleta de dados estruturada e de qualidade para que as evidências sejam pragmáticas. Mais útil do que comparações diretas, quem sabe fosse a utilização de ambos os modelos de forma complementar, garantindo assim melhor evidência.

Por fim, apesar dos vieses – que nunca podem ser esquecidos, o EXPAND veio para mostrar que a terceira geração do MitraClip é muito bem-vinda no mundo real: tanto para etiologia primária quando para secundária e para além do conhecido cenário de EVEREST II e COAPT. Paralelamente, que aqui fique claro: é indispensável a nós, estudiosos das cardiopatias estruturais e críticos das evidências, sabermos interpretá-las fora do ambiente controlado dos Estudos Clínicos Randomizados também.

Literatura Sugerida: 

1-    Saibal Kar MD, et al. Contemporary Outcomes Following Transcatheter Edge-to-edge Repair: 1-year results from the EXPAND study. Journal of the American College of Cardiology, 2023. Vol. 16, no. 5, 2023. March 13, 2023: 589-602.  

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