Sopro da Insuficiência aórtica – Parte 2
Outro aspecto que deve ser trazido ao centro da discussão é a alteração que esse sopro pode sofrer de acordo com as pressões de enchimento do ventrículo esquerdo. Em casos de elevada pressão diastólica final do ventrículo esquerdo, ou comumente chamada de PD2, a equalização das pressões pode ocorrer precocemente interrompendo o sopro.
Como esse é um conceito um pouco mais complexo, vamos nos ater a ele um pouco mais de tempo.
Seguindo a dinâmica dos fluidos, em vasos comunicantes, há deslocamento de uma área de maior pressão para uma de menor pressão, com o objetivo de equalizar as pressões. Esse é um princípio que utilizamos frequentemente na análise dos fluxos através da ecocardiografia.
No momento em que se inicia a diástole, a valva aórtica deveria fechar para o ventrículo começar a receber apenas o sangue que vem do átrio esquerdo. Nesse momento, a pressão do ventrículo esquerdo é a menor de todas encontradas durante o ciclo cardíaco. Na ocasião de uma insuficiência aórtica, durante a diástole, o ventrículo recebe sangue tanto do átrio esquerdo através da valva mitra, como através da Aorta, através de uma valva aórtica incompetente.
O refluxo aórtico acontece nesse sentido por uma razão clara: nesse momento, a pressão no interior da Aorta é maior do que no interior do ventrículo esquerdo. O oposto ocorre na sístole, em que o interior do ventrículo esquerdo tem pressão maior do que a Aorta, propiciando a ejeção do sangue.
Posto isso, imaginemos uma situação que a pressão diastólica final do ventrículo esquerdo esteja em 10 mmHg, o que seria próximo do fisiológico. Nesse contexto, a pressão na raiz da Aorta é bem superior e então, através de uma valva insuficiente, inicia-se um refluxo. Esse jato de regurgitação deveria continuar até que as pressões se equalizassem ou até que a diástole se encerre, seguida de uma nova contração.
Em situações como disfunção diastólica avançada ou mesmo quadros de insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida, podemos encontrar pressões diastólicas finais do ventrículo esquerdo elevadas. Assim, agora imaginemos um contexto de franca agudização da insuficiência cardíaca, com pressão diastólica final de 40mmHg. Nesse contexto, o jato de regurgitação pode parar antes do final da diástole, pela rápida equalização das pressões, já que a diferença entre a raiz da Aorta e o interior do ventrículo esquerdo é bem menor agora.
Essa dinâmica dos fluidos pode ter uma leitura na ausculta do paciente com insuficiência aórtica. Nesse contexto de elevações de pressão de enchimento, o sopro que deveria se alongar durante toda a diástole pode ser interrompido precocemente e tornar a ausculta um desafio maior.
O mesmo pode ser notado em casos de insuficiência aórtica aguda, em que podemos, inclusive nem ter a percepção do sopro diastólico, visto que o paciente se encontra chocado e a pressão de enchimento é muito elevada, fazendo a duração dessa regurgitação ser muito pequena.