Do transdutor à ponta do cateter!
O gradiente médio da válvula aórtica é um parâmetro consolidado na avaliação do paciente portador de estenose aórtica e um dos definidores de gravidade dessa valvopatia. Esse gradiente é classicamente obtido através do ecocardiograma transtorácico, mas também pode ser calculado de forma invasiva através do cateterismo cardíaco.
Sabe-se que, no contexto da estenose aórtica, esses dois métodos possuem em torno de 15% de discordância de seus valores absolutos. Vale lembrar que as medidas ecocardiográficas do gradiente médio são derivadas da equação de Bernoulli simplificada, que leva em consideração a velocidade transvalvar.
Mas, principalmente nos pacientes pós implante de TAVI, como devemos interpretar? Um estudo multicêntrico tentou responder essa pergunta, analisando dados de 808 pacientes submetidos a implante de TAVI, nos quais foram realizadas avaliações invasivas e ecocardiográficas de gradiente médio imediatamente após a TAVI. Os gradientes pré-procedimento e antes da alta hospitalar estavam disponíveis em 68% e 92% dos pacientes, respectivamente. Próteses balão-expansíveis foram utilizadas em 78% dos pacientes e em 22% foram utilizadas próteses autoexpansíveis.
O estudo demonstrou que há uma boa correlação entre as medidas do gradiente avaliadas por ambos os métodos pré-procedimento (Pearson r=0,614; P<0,0001), porém o mesmo achado não foi encontrado nas medidas pós-procedimento (r=0.138; P<0,0001), apresentando uma correlação fraca ou mesmo ausente entre o método ecocardiográfico e o invasivo pós-TAVI.
Tanto na avaliação pré-procedimento quanto após o TAVI, os gradientes avaliados pela ecocardiografia foram significativamente maiores e apresentaram uma diferença absoluta (discordância absoluta) entre as medidas de 6 [-1 – 13] mmHg pré-procedimento e 3 [2 – 5] pós-procedimento. Essa discordância foi maior em números absolutos na avaliação pré-intervenção, porém quando analisada de forma relativa, em termos percentuais, a discordância foi maior pós-TAVI.
Outro resultado interessante é que não houve diferença nas medidas invasivas de gradiente médio independentemente do tamanho e do tipo das próteses, diferentemente do que ocorreu na avaliação ecocardiográfica. Especificamente, as próteses balão expansíveis de menor tamanho (20 e 23 mm) apresentaram um maior gradiente médio na avaliação ecocardiográfica pós-TAVI, especialmente a de 20 mm.
Além disso, houve aumento significativo do gradiente médio quando medido antes da alta em relação ao momento pós-TAVI. O mesmo ocorreu de forma significativa com ambos os tipos de próteses, porém a magnitude desse aumento foi maior nas próteses balão expansível, resultando em maiores gradientes na alta e maiores diferenças, tanto absoluta quanto percentual, ao comparar com próteses autoexpansíveis.
As próteses balão expansíveis de menor tamanho apresentaram os maiores gradientes ecocardiográficos antes da alta, sendo a mediana do gradiente médio de 16 mmHg nas próteses tamanho 20 mm e 11 mmHg nas próteses de tamanho 23 mm. As próteses autoexpansíveis não apresentaram diferenças no gradiente médio antes da alta em relação ao tamanho da prótese.
Na análise de mortalidade em 2 anos não houve diferença entre os grupos que apresentavam gradiente médio pós-TAVI maior que 10 mmHg, tanto ecocardiográfico quanto invasivo, nem maior que 20 mmHg antes da alta hospitalar. Já os valores de STS score e fração de ejeção se correlacionaram com maior mortalidade aos 2 anos de seguimento.
Portanto, os dados desse estudo demonstram que, ao contrário da estenose aórtica nativa, as medidas de gradiente médio ecocardiográficas em pacientes submetidos ao TAVI apresentam uma correlação fraca ou ausente com as medidas invasivas e que diferentemente da medida invasiva, em que não há diferença significativa independentemente do tipo e do tamanho de prótese implantada, quando o gradiente médio é avaliado pelo ecocardiograma as próteses balão expansível de menor tamanho apresentam maiores gradientes que as próteses do mesmo tipo, mas de maior tamanho. Além disso, o gradiente médio antes da alta hospitalar é consistentemente maior que o gradiente médio intraprocedimento (pós-TAVI).
Nesse estudo, ambos os tipos de prótese apresentaram um excelente perfil hemodinâmico, tanto invasivo quanto não invasivo e os pacientes apresentaram uma evolução clínica muito favorável nos seguimentos de 30 dias e 2 anos.
Algumas limitações que podemos citar é que as medidas dos gradientes médios foram realizadas em cada instituição, sem uma análise centralizada em um centro especializado (Core laboratory) e em decúbito horizontal, o que pode subestimar as medidas do ecocardiograma e, portanto, a diferença entre os métodos pode ser ainda maior.
Deve-se observar ainda que o seguimento de 2 anos pode ser curto demais para demonstrar diferença na evolução clínica dos pacientes, que deverá ser mais bem avaliada com um seguimento mais longo desses casos.
Apesar das discordâncias encontradas no estudo citado, cabe ressaltar que a medida invasiva do gradiente médio ao longo do seguimento desses pacientes é inviável, portanto uma avaliação criteriosa desse gradiente, mas ecocardiográfico deve ser realizada antes da alta hospitalar e seguida de forma comparativa nos ecocardiogramas de seguimento que se sucederem.
Por fim, deve-se lembrar que os demais parâmetros relacionados à disfunção de prótese, tanto morfológicos (avaliação de espessamento, imobilidade, etc) quanto funcionais (quantificação de regurgitação protética), são avaliados de forma muito consistente pelo ecocardiograma. Essas características, somadas à não invasividade e a disponibilidade do método, tornam o ecocardiograma uma ferramenta diagnóstica essencial no seguimento desses pacientes.
Esse estudo mostra a importância do planejamento detalhado do implante de TAVI, bem como evidencia a constante evolução da Angio-TC e de softwares de imagem para auxiliar na simulação e orientação de procedimentos estruturais. No entanto, por se tratar de um estudo observacional, possui diversas limitações, abrindo espaço para novas pesquisas que possam validar a estratégia de alinhamento coronariano ideal para o implante de TAVI.
Literatura Sugerida:
1 – Abbas et al. Comparison of Transvalvular Aortic Mean Gradients Obtained by Intraprocedural Echocardiography and Invasive Measurement in Balloon and Self Expanding Transcatheter Valves. J Am Heart Assoc. 2021; 10:e021014. DOI: 10.1161/JAHA.120.021014.
2 – Madanat et al. Discordance vs Pressure Recovery in Aortic Stenosis and Post-TAVR. JACC: cardiovascular imaging, 2023. ISSN 1936-878X
Click Valvar Academy#429 – Gradiente pós-TAVI
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