Quando pensamos em intervenção nos pacientes de alto risco cirúrgico, as questões que vão além da capacidade técnica de realizar determinada correção devem estar no centro do debate. Quando dizemos isso, estamos preocupados basicamente com o status do paciente e se ele poderia aguentar o insulto fisiológico de se submeter a uma cirurgia cardíaca.
Nessa linha, vieram diversos procedimentos transcateter que evitam o uso da circulação extracorpórea e que teve grande ascenção no dia a dia do clínico com difusão do TAVI.
No entanto, um grupo especial de pacientes passou a receber mais atenção e diversas alternativas são tentadas, como os casos de deterioração de uma bioprótese e que apresente um alto risco cirúrgico.
Para esses casos, foi desenvolvida uma técnica denominada valve-in-valve, em que uma prótese TAVI é implantada dentro da bioprótese deteriorada que foi implantada previamente e agora está apresentando deterioração e disfunção hemodinamicamente significativa.
Nesses casos, diversas complicações podem ocorrer, mas uma que tem elevada prevalência e incontáveis vezes foi negligenciada é o mismatch, ou seja, a área efetiva de fluxo resultante após liberar o TAVI dentro da prótese deteriorada poderia ser muito pequena para as demandas do paciente.
Depois de entendermos os efeitos negativos dessa condição hemodinâmica, começaram a buscar alternativas que evitassem esses desfechos e surgiu a técnica da fratura do anel da bioprótese através de uma dilatação por balão de alta pressão. Isso proporcionaria a chance de se implantar uma prótese TAVI maior no interior da antes limitada bioprótese, mas invariavelmente essa técnica traria alguns riscos de complicações.
Uma avaliação norteamericana mostrou que 30% dos casos de valve-in-valve realizam a fratura do anel protético antes do implante, o que é uma casuística bem superior ao que vemos na prática nacional. No entanto, o número de serviços de cardiologia intervencionista que realizam o valve-in-valve de casos mais complexos nos Estados Unidos é relativamente pequeno.
Um dado que pode levara confusão é que os casos em que se realizam fraturas de próteses tem maior prevalência de desfechos duros, mas quando comparados aos pacientes que são contraindicados de realizar o valve-in-valve por risco de mismatch, aqueles que se submeteram ao procedimento evoluem melhor com maior sobrevida.
Embora os achados sejam interessantes e encorajem a realização da fratura de anel protético, devemos ter em mente os riscos de complicações graves, como ruptura de anel nativo, laceração de estruturas adjacentes, embolização de fragmentos protéticos e obstrução coronariana quando realizado na topografia aórtica.
Uma alternativa técnica dessa fratura é realizar após a liberação da prótese TAVI, o que evitaria uma possível sobrecarga por uma insuficiência aguda, mas aumentaria os riscos de lesões iatrogênicas na prótese TAVI recentemente implantada.
As próteses biológicas mais modernas já vêm com dispositivos de expansão nos anéis o que faria ser desnecessária uma fratura dessas, mas as próteses mais frequentes ainda não contam com essa tecnologia. E ainda sim, algumas marcas apresentam anéis inquebráveis por essa técnica, necessitando mais do que 20 atm de pressão, inviabilizando o procedimento.
Muito provavelmente daqui 20 anos não estaremos mais discutindo esse tipo de necessidade de intervenção devido ao avanço tecnológico das próteses biológicas modernas, mas até lá, entender como lidar com os riscos de mismatch e ter centros de intervenção preparados para realizar a fratura do anel é papel central do desenvolvimento da cardiologia e benefício dos pacientes.