O abismo entre as diretrizes e a prática clínica
A indicação de dispositivos cardíacos eletrônicos implantáveis (DCEI) aumentou significativamente nos últimos anos, tanto pela ampliação das recomendações em prevenção primária, quanto pelo envelhecimento populacional. Este fenômeno torna imperativo o olhar cuidadoso para potenciais complicações, dentre as quais podemos citar a infecção, que segue como uma das mais temidas e mórbidas.
A infecção relacionada a esses dispositivos inclui alguns cenários clínicos – infecção da loja, de corrente sanguínea e, por fim, a endocardite infecciosa podendo, portanto, configurar um quadro sistêmico e de alta mortalidade (Figuras 1 e 2). Recentemente, foi publicada pelo JACC uma revisão narrativa com objetivo de avaliar as infecções dos dispositivos e seu manejo.
A incidência de infecção de dispositivos cardíacos descrita na literatura varia entre 0,8 a 4,2%, sendo que no primeiro ano após o implante dos mesmos gira entre 1,2 e 3,4%, e correlaciona-se com uma série de fatores de risco.
Os pacientes mais propensos a este tipo de complicação são portadores de doença renal, disfunção ventricular, diabetes, uso de anticoagulantes e imunossuprimidos. Já as características associadas aos dispositivos que conferem maior risco são a presença de dois ou mais eletrodos, cardiodesfibriladores implantáveis e/ou ressincronizadores cardíacos, procedimentos de revisão ou troca de gerador de pulso e/ou eletrodos (Figura 3).
Além do comprometimento da qualidade de vida do paciente, a intercorrência leva a aumento significativo de custos em saúde guiada, principalmente, pela necessidade de cuidados em regime de internação hospitalar. As diretrizes quanto ao tema recomendam a extração do dispositivo como terapia ideal do quadro. De acordo com a literatura internacional, o procedimento apresenta altas taxas de sucesso, reportadas consistentemente como sendo acima de 95% em 16 coortes avaliadas. Adicionalmente, estes mesmos estudos evidenciaram baixas taxas de complicações (0 a 4%) e mortalidade (0 a 1%) perioperatórias (Figura 4).
Em contrapartida, estudo retrospectivo conduzido em um centro acadêmico terciário, que avaliou pacientes com infecção relacionada aos dispositivos implantáveis entre 1991 e 2008, evidenciou que a terapia antimicrobiana sem extração do dispositivo associou-se a uma taxa de mortalidade quase 7 vezes maior em 30 dias (HR 6,97; IC 95% 1,36 – 35,60). Além disso, quando avaliada a mortalidade em 1 ano, aqueles sob tratamento conservador com antimicrobianos apresentaram taxa de 38,1% comparados a 13,3% entre os que foram submetidos à remoção cirúrgica precoce (caracterizada pelos autores por extração do sistema nos primeiros 6 dias do diagnóstico).
Descreveu-se em uma coorte histórica de um hospital terciário brasileiro uma taxa de infecção relacionada aos DCEI de 1,9%, com predomínio de indivíduos do gênero masculino e com idade média de 60 anos, incidência próxima àquela observada em análise recente de uma população do Medicare (1,1% em mais de 1 milhão de pacientes submetidos a implante de DCEI entre 2004 a 2019). Este mesmo estudo brasileiro reportou uma duração média da internação hospitalar de 35,3 dias e remoção total do sistema em 85,3% dos pacientes. A mortalidade intra-hospitalar foi de 19,5% e, durante o seguimento clínico de 43,8 meses, a taxa de mortalidade foi de 43%, sendo que 65,2% dos pacientes que se apresentaram com critérios para sepse faleceram.
Contudo, estudos de vida real quanto a infecções de dispositivos demonstram um abismo entre as condutas preconizadas pelas diretrizes e o que é praticado cotidianamente, com mais de 80% dos pacientes manejados de forma diferente da recomendada.
Mas o que distancia as diretrizes da aplicabilidade prática? As principais dificuldades apontadas pelas equipes assistentes são a falha na identificação da infecção envolvendo o dispositivo, dificuldade de referenciamento para centros especializados e restrição do acesso à extração do dispositivo.
Dentre os pacientes corretamente diagnosticados e que conseguiram ser referenciados, ainda assim há um grande abismo entre o tratamento preconizado e o realizado. Nestes casos, os fatores referidos por especialistas que levaram a subindicação da extração foram a idade avançada (83%), tempo desde o implante do dispositivo (73%) e considerar que haveria dificuldade técnica na realização da extração (44%) (Figura 5).
O fato é que a infecção relacionada aos dispositivos implantáveis é uma entidade de alta morbimortalidade e que exige seguimento de equipe multidisciplinar especializada a fim de aperfeiçoar o manuseio e consequentemente melhorar os desfechos de pacientes acometidos pela intercorrência.
É evidente que existe margem para individualização do cuidado e as diretrizes devem apenas nortear as condutas. No entanto, é possível que na prática clínica estejamos potencializando os riscos desta entidade com a subindicação de explantes. Abordar as lacunas do conhecimento, levando informações de alta qualidade e fácil acesso é um ótimo ponto de partida para a melhora na qualidade assistencial neste cenário.
Literatura Sugerida:
1 – Lakkireddy DR, Segar DS, Sood A, Wu M, Rao A, Sohail MR, et al. Early Lead Extraction for Infected Implanted Cardiac Electronic Devices: JACC Review Topic of the Week. J Am Coll Cardiol. 2023 Apr 4;81(13):1283–95.
Click Valvar Academy#443 – Infecção de Dispositivos Implantáveis
Confira o artigo completo
Cookie | Duração | Descrição |
---|---|---|
cookielawinfo-checkbox-analytics | 11 months | This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Analytics". |
cookielawinfo-checkbox-functional | 11 months | The cookie is set by GDPR cookie consent to record the user consent for the cookies in the category "Functional". |
cookielawinfo-checkbox-necessary | 11 months | This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookies is used to store the user consent for the cookies in the category "Necessary". |
cookielawinfo-checkbox-others | 11 months | This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Other. |
cookielawinfo-checkbox-performance | 11 months | This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Performance". |
viewed_cookie_policy | 11 months | The cookie is set by the GDPR Cookie Consent plugin and is used to store whether or not user has consented to the use of cookies. It does not store any personal data. |
Privacidade e cookies: Este site usa cookies. Ao continuar no site você concorda com o seu uso. Para saber mais, inclusive como controlar cookies, veja aqui: Política de cookie
As configurações de cookies deste site estão definidas para "permitir cookies" para oferecer a melhor experiência de navegação possível. Se você continuar a usar este site sem alterar as configurações de cookies ou clicar em "Aceitar" abaixo, estará concordando com isso.