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Insuficiência Aórtica e Mecânica Vascular

 “Speckle Tracking” 

A doença valvar aórtica é uma valvulopatia comum mundialmente. Sua incidência tem crescido nas últimas décadas decorrente ao envelhecimento populacional. Em países desenvolvidos a principal etiologia é a degenerativa, decorrente de calcificação progressiva principalmente na população de idosos. A ecocardiografia é o exame complementar mais utilizado durante o seguimento, a fim de acompanhar a gravidade evolutiva do acometimento valvar.

A partir desse método, tem dado crescente importância a ferramenta de “speckle tracking” que visa avaliar em pontos específicos da cavidade ventricular o grau de deformidade da parede relativo ao estado inicial cardíaco. Podemos observar três padrões principais de deformação, que formarão um eixo perpendicular do coração durante a sístole: 

  • encurtamento longitudinal, 
  • encurtamento circunferencial e 
  • espessamento radial. 

O benefício desse método seria o fato de poder avaliar cálculos de variabilidade de movimento e deformação que não sofram interferência do ângulo de incidência durante o exame e o operador. Desse modo podemos obter parâmetros como: 

  • velocidade, deslocamento valvar (displacement), 
  • deformação (strain)
  • velocidade de deformação (strain rate).

Esse método foi inicialmente validado para avaliação de ventrículo esquerdo, porém desde 2008 observa-se sua crescente utilidade na análise de paredes vasculares, sendo incorporado para aorta abdominal, aorta ascendente e carótidas. A partir desse momento tem sido promovido a mecânica vascular como novo método de avaliação de rigidez vascular arterial.

Apesar de não existir um método ideal de avaliação das características vasculares, tem sido observado a utilização do ecocardiograma bidimensional como uma ferramenta capaz de detectar as alterações que pacientes, portadores de estenose valvar aórtica degenerativa, apresentam em relação a rigidez e complacência vascular. Por sua vez a correlação entre alterações vasculares aórtica e insuficiência valvar aórtica ainda não estão bem sedimentadas, tendo apenas estudos observacionais que sugerem uma correlação entre a redução de distensibilidade aórtica em pacientes com insuficiência aórtica e sua indicação de abordagem cirúrgica possivelmente precoce. 

Recentemente, uma análise buscou avaliar as condições de deformidade da aorta ascendente em pacientes com insuficiência aórtica de moderada a importante gravidade, através das variáveis: “circumferential ascending aorta strain (CAAS) and strain rate (CAASR)”. Ao mesmo tempo buscar uma possível associação com a gravidade do acometimento valvar, comparar a mecânica aórtica entre pacientes saudáveis e indivíduos com doença valvar aórtica (estenose e insuficiência) e por fim determinar o impacto prognóstico de tais variáveis nos pacientes.

Foi um estudo prospectivo, envolvendo 73 pacientes com insuficiência aórtica importante, exigindo apresentar vena contracta > 6mm e um critério quantitativo, como: área efetiva do orifício regurgitante (EROA) ≥ 30 mm2, volume regurgitante (R Vol) ≥ 60 mL, reversão do fluxo diastólico na aorta descendente com velocidade diastólica final > 20 cm/s, ou integral tempo-velocidade (VTI) de fluxo reverso > 15 cm. Também foram incorporados 45 pacientes com área valvar aórtico indexado ≤ 0,85 cm2/m2 e 22 pacientes com ecocardiografia normal.

A partir dessa população, todos foram submetidos a duas avaliações ecocardiográficas, por dois operadores distintos, intervalado em 1 mês, com auxílio de “speckle tracking” a fim de calcular a mecânica regional e global da aorta ascendente. A parede aórtica foi dividida em seis regiões equidistantes. Em cada região, as expressões numéricas de cada variável representaram os valores médios calculados de todos os pontos do segmento. Estes foram codificados por cores, mostrados em função do tempo ao longo do ciclo cardíaco e seguinte calculado CAAS / CASSR.

Como desfechos clínicos, foram considerados: 

    • mortalidade por todas as causas, 
    • mortalidade cardiovascular (CV), 
    • troca de válvula aórtica (AVR) e 
  • hospitalização por insuficiência cardíaca aguda (IC).

Os pacientes recrutados apresentaram idade média de 71 anos, cerca de 57% do sexo masculino, etiologia valvar predominante foi degenerativa. As características clínicas de comorbidades prévias, uso de medicamentos contínuos foram equilibradas entre os grupos. 

Na análise mecânica da aorta ascendente em grupos de insuficiência aórtico moderado e grave, CAAS global corrigido (0,14 0,06% / mmHg vs. 0,19 0,08% / mmHg, P <0,05) e CAASR global (1,53 0,29 / seg. vs. 1,90 0,62 / seg, P <0,05) foram significativamente menores em pacientes com insuficiência grave. CAASR global correlacionou com a largura de vena contracta (r = 0,35, P <0,01) e VTI do fluxo reverso (r = 0,44, P <0,01). Tiveram como tempo de seguimento cerca de 438 dias, a mortalidade global foi cerca de 16% e cardiovascular 10%. Um ponto de corte CAASR de 0,88 / s apresentou sensibilidade de 83,3% e especificidade de 73,5% para estimar a mortalidade global em pacientes com doença valvar aórtica degenerativa durante o acompanhamento (AU = 0,79, IC 95%: 0,66-0,93, P <0,01). 

Com base no estudo, foi demonstrado o seguinte: 

(1) alta viabilidade e reprodutibilidade do método na insuficiência aórtica moderada a grave; 

(2) tiveram associações independentes entre as variáveis analisadas com diferenças significativas na mecânica aórtica em estenose, insuficiência aórtica e controles. 

Houve significado clínico prognóstico da mecânica aórtica na doença valvar aórtica degenerativa. 

Dessa forma o conceito da doença degenerativa alterar a rigidez e a complacência da parede arterial também é válido para insuficiência aórtica. Em pacientes com insuficiência aórtica grave, maior carga vascular e menor CAASR global foram evidentes, refletindo arteriosclerose mais avançada. 

Na estenose aórtica degenerativa é sabido que a pós-carga elevada não é devido somente a obstrução valvar, mas também a sobrecarga vascular total. Pois a redução de complacência arterial, em consequência ao aumento da rigidez vascular contribui para o aumento da pós-carga que esses pacientes são expostos. O mesmo foi visto em pacientes com insuficiência aórtica grave, que tem correlação com menor grau de distensibilidade e mais rápida evolução para intervenção cirúrgica. 

Então parece haver impacto prognóstico entre a mecânica aórtica e impacto nas valvopatias aórticas. Valores reduzidos de CAAS e CASSR demonstraram significado efeito com menor mortalidade global e cardiovascular (ponto de corte: > 0,88/s).

Apesar dos resultados, devem ser levados em consideração as limitações frente ao estudo, uma vez que foi unicêntrico, com número reduzido de pacientes (140), envolveu aferição de pressão braquial que muitas vezes pode ser superestimado em comparação com pressão arterial invasiva.

Dessa maneira conclui-se que em paciente com doença valvar aórtica o uso do ecocardiograma bidimensional para avaliar a mecânica da aorta ascendente é factível e reprodutível. CASSR global foi menor em paciente com insuficiência aórtica e maior impacto nas propriedades elásticas da aorta diante do paciente com estenose aórtica grave. O impacto prognóstico foi demonstrado em ambos os grupos de pacientes.

Literatura Sugerida: 

1- Leite L, Teixeira R, Oliveira-Santos M, Barbosa A, Martins R, Castro G, Gonçalves L, Pego M. Aortic Valve Disease and Vascular Mechanics: Two-Dimensional Speckle Tracking Echocardiographic Analysis. Echocardiography. 2016 Aug;33(8):1121-30. 

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