De gênio e de louco todo procedimento tem um pouco?
O aumento da incidência de cardiopatias estruturais valvares acompanha o progressivo envelhecimento da população e, dada a alta prevalência, hoje há grande anseio do meio médico pela busca de estratégias intervencionistas – tanto cirúrgicas convencionais quanto às minimamente invasivas (transcateter) – que podem ser indicadas para pacientes portadores de valvopatia cardíaca, objetivando a redução da morbimortalidade associada a esta doença.
Nos últimos anos, as tecnologias transcateter têm ganhado destaque no tratamento da doença sintomática da valva mitral insuficiente, no entanto, é importante ressaltar que nem todos os pacientes com essa patologia são candidatos a essas intervenções consideradas “menos invasivas”.
Segundo a última Diretriz Brasileira de Valvopatias (2020) o método percutâneo deve ser reservado para pacientes portadores de insuficiência mitral (IM) moderada para grave ou grave, de etiologias tanto primária como secundária, com sintomas refratários e com elevado ou proibitivo risco cirúrgico.
Mas o que seria o MitralClip®? A correção de valva mitral transcateter, também conhecida como TEER (Transcatheter Edge-to-Edge Repair) utiliza esse dispositivo percutâneo para realizar uma abordagem semelhante ao procedimento cirúrgico de “Alfieri”, antigamente chamado de reparo “edge-to-edge”, criado em 1991 pelo italiano Ottavio Alfieri, mas de forma minimamente invasiva.
Com essa técnica, faz-se uma correção funcional, não anatômica, da valva mitral, com a realização de fixação de A2 em P2 por meio de pontos cirúrgicos, que leva a formação de uma valva mitral com duplo orifício. Tal técnica se torna efetiva em situações de duplo prolapso (dos folhetos anterior e posterior da valva mitral) e na doença de Barlow (na qual os folhetos se encontram espessados e redundantes).
Nestas situações de folhetos exuberantes, a técnica de Alfieri visa, além de reduzir o volume regurgitante e trazer funcionalidade a valva mitral, evitar a alta mobilidade do folheto anterior e os riscos de movimento sistólico anterior no pós-operatório. Quando feita em situações de prolapso somente de P2, ou folhetos valvares não tao exuberantes, deve-se tomar cuidado para não induzir a estenose mitral.
Durante o procedimento com o MitraClip®, o dispositivo é inserido por meio de cateteres na veia femoral e guiado até a valva mitral (VM) por meio de uma punção transseptal do septo interatrial. Em seguida, o MitraClip® é usado para “clipar” os folhetos mitrais nos scallops medianos, criando uma aproximação e reduzindo o orifício de regurgitação da valva.
Utilizando os dados do CUTTING-EDGE Registry (registro retrospectivo internacional de pacientes submetidos à cirurgia valvar mitral após falha do TEER) o estudo “Impact of Mitral Regurgitation Etiology on Mitral Surgery After Transcatheter Edge-to-Edge Repair” comparou o resultado da cirurgia valvar mitral após a falha do tratamento percutâneo com MitraClip® em pacientes com IM primária versus secundária.
Foram 330 pacientes analisados, de julho de 2009 a julho de 2020, destes 47% tinham IM primária e 53% IM secundária. O intervalo médio entre o procedimento de TEER e a cirurgia valvar mitral foi de 3,5 meses (IQR: 0,5-11,6 meses) e as indicações de cirurgia incluíram: IM recorrente (33,6%), IM residual (28,8%), perda de inserção de folhetos (25,2%), deslocamento parcial (21,5%), estenose mitral (14,5%) e embolização do clip (2,1%). A mortalidade um ano após a cirurgia foi de 31,3% geral, sendo maior nos pacientes com IM secundária (38,3% vs 23,2%; P < 0,019).
Além disso, esse grupo também demonstrou menor sobrevida cumulativa em 3 anos após a cirurgia, possivelmente por possuir maior carga de comorbidades e consequentemente risco cirúrgico maior. Os pacientes com regurgitação mitral secundária ainda apresentaram mais procedimentos de TEER abortados (25,7% vs. 16,3%; p=0,043), o que gera preocupação, já que a mortalidade de modo geral foi maior no grupo em questão (abortado: 47,7%, falha aguda: 28,9%, falha tardia: 26,7%; p=0,032).
Vale analisar que dentre os pacientes submetidos ao procedimento percutâneo, 46,9% dos pacientes de baixo e moderado risco cirúrgico pré-tratamento transcateter compõem o grupo de insuficiência mitral primaria (Primary mitral regurgitation – PMR), enquanto 49% estão inclusos no grupo de etiologia secundaria (secundar mitral regurgitation – SMR). Além disso, entre as principais comorbidades presentes nos grupos PMR e SMR destacam-se: doença arterial coronariana associada, sendo 42,6% no primeiro grupo e 58,3% no segundo grupo; diabetes mellitus com 27,3% no PMR e 35,8% no SMR; e doença renal crônica com 52,4% no PMR e 62,3% no SMR.
Diante de tais comorbidades, associadas a doença estrutural ventricular geralmente presente na regurgitação mitral secundaria, a reabordagem cirúrgica torna-se mais perigosa nesse grupo. Tecnicamente, os pontos importantes envolvem destacar a principal etiologia de insuficiência mitral primaria, sendo a degeneração mixomatosa com espessamento e redundância dos folhetos valvares a principal, com anatomia favorável para a realização da clipagem.
Enquanto na insuficiência mitral secundaria o mecanismo de regurgitação mitral se dá por uma doença estrutural ventricular e não de seus folhetos, ou seja, mais comumente há falha na coaptação dos folhetos valvares, portanto, torna a técnica de clipagem transcateter mais desafiadora, podendo levar a tensão dos seus folhetos quando unidos.
Esses dados nos mostram que devemos buscar resultados satisfatórios após a TEER, com o objetivo de evitar complicações futuras e garantir a melhor qualidade de vida para o paciente. A compreensão dos riscos envolvidos na cirurgia valvar mitral após a falha do TEER destaca a importância de uma abordagem multidisciplinar do Heart Team para realizar a avaliação criteriosa dos pacientes que podem se beneficiar ou não com a terapia percutânea. Além disso, a experiência e habilidade dos operadores que realizam o TEER também desempenham um papel importante na obtenção de desfechos favoráveis.
Literatura Sugerida:
1 – Zaid S, Avvedimento M, Vitanova K, et al; CUTTING-EDGE Investigators. Impact of Mitral Regurgitation Etiology on Mitral Surgery After Transcatheter Edge-to-Edge Repair: From the CUTTING-EDGE Registry. JACC Cardiovasc Interv. 2023 May 22;16(10):1176-1188.
Click Valvar Academy#453 – Cirurgia Mitral após Falha de MitraClip
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