O mismatch, ou a desproporção entre o tamanho da prótese para as necessidades do paciente é sempre uma situação negligenciada e que, pode em muitas vezes, impactar negativamente a evolução do paciente.
Ao estarmos diante de um caso de estenose aórtica e que necessite de intervenção, o objetivo primordial da abordagem é reduzir a pós-carga que esse ventrículo lida ao melhorar a abertura valvar, reduzindo os gradientes sistólicos, mas imagina se ao colocar um dispositivo nessa topografia ele seja pequeno demais para a demanda do paciente.
Sabemos que nenhuma prótese é tão hemodinamicamente perfeita quanto a própria valva nativa, mas até qual grau de “estenose residual” deveria ser tolerado sem apresentar impacto clínico no paciente?
Para realizar esse cálculo, devemos, após alguns dias de implante de prótese, comparar a área protética encontrada para o tamanho do indivíduo. Tradicionalmente usa-se a medida da superfície corporal, mas recentes publicações têm levantado a possibilidade de fazer essa medida em comparação ao IMC do indivíduo, principalmente em casos de obesidade (IMC > 30).
Observando coortes de pacientes escandinavos, chegou-se a conclusão que ter mismatch após troca valvar aórtica era mais comum do que não ter essa alteração, mas a incidência de desproporção moderada ou grave não é tão comum assim e vem reduzindo a casuística com novas tecnologias protéticas.
Gradualmente, quanto maior o mismatch, maior o risco de mortalidade por todas as causas no acompanhamento de longo prazo e que, isoladamente, o mismatch grave é também associado a maior risco de descompensação de insuficiência cardíaca.
Um fato interessante é que, mesmo que seja de conhecimento que a presença dessa desproporção tenha impacto negativo na sobrevida, a reintervenção é rara nesse grupo de pacientes, seja pelo risco de abordagem elevado ou seja pela incapacidade de oferecer um dispositivo com melhor performance hemodinâmica.
Algumas publicações ainda consideram que a pior associação de desfechos negativos se dá em pacientes que apresentam mismatch grave com queda prévia na fração de ejeção do ventrículo esquerdo. Dados sobre impacto direto do mismatch na evolução da fração de ejeção ainda são escassos e não temos evidências confiáveis sobre esse impacto.
Evoluções mais longas de pacientes que se submeteram a troca valvar aórtica mostram que realmente a desproporção impacta negativamente na sobrevida, mas depois de determinado tempo, outros fatores acabam assumindo o protagonismo no risco de evolução desfavorável, como a própria idade do paciente.
A verdade é que a avaliação de risco para mismatch deveria ocorrer mais intensamente no screening do paciente, em discussão de Heart Team, para que o melhor dispositivo fosse selecionado. Inclusive, dados recentes mostram que próteses TAVI tem menor incidência dessa complicação, muito provavelmente pela configuração espacial e melhor performance hemodinâmica, embora sua evolução tardia ainda seja motivo de grande debate.
Mais vale lutar bravamente para tentar evitar o mismatch do que lidar com esse verdadeiro abacaxi nas mãos do clínico e do paciente.