O Planejamento do TAVI

O implante transcateter da valva aórtica (TAVI) tornou-se uma importante ferramenta terapêutica para os pacientes com estenose aórtica (EAo) grave, tendo sido utilizada inicialmente para o tratamento de pacientes de alto risco cirúrgico e hoje, já sendo a opção de tratamento de escolha para um número crescente de pacientes, inclusive com risco cirúrgico mais baixo. 

Com o crescente número de TAVIs, fez-se necessário desenvolver técnicas de planejamento e avaliação pré e pós procedimento que buscassem melhorar os resultados. Nesse contexto, a tomografia computadorizada cardíaca (TCC) ganhou força e atualmente é essencial para essa avaliação.

No início do processo de desenvolvimento da TAVI, o ecocardiograma (ECO) era o exame de imagem mais utilizado para avaliar o tamanho do anel valvar e monitorar as complicações periprocedimentos, enquanto o papel da TCC se limitava a avaliar os sítios de acesso vascular. Porém, devido a sua maior resolução espacial, maior acurácia em determinar o tamanho do anel e excelente capacidade de detectar potenciais complicações, a TCC passou a ser o método complementar de escolha para a TAVI.

Para que sejam obtidas de forma adequada todas as informações que a TCC é capaz de nos fornecer, uma aquisição de qualidade e sincronizada ao ECG, deve ser realizada. Um dos desafios dessa aquisição são os pacientes com frequências cardíacas elevadas, já que os pacientes com EAo grave costumam não tolerar o uso de medicações como betabloqueadores. Os principais objetivos da TCC no planejamento da TAVI são: 

(1) avaliar acessos vasculares, 

(2) determinar o tamanho do anel valvar, 

(3) predizer a chance de complicações graves e 

(4) antecipar o melhor ângulo fluoroscópico para o implante do dispositivo valvar.

A TC avalia com precisão a viabilidade dos acessos vasculares, dando informações como diâmetros do lúmen, presença ou não de placas e obstruções no local de punção e no trajeto até o coração. O acesso preferencialmente utilizado é o femoral. No caso de impossibilidade desse acesso, a TCC fornece informações sobre outros acessos possíveis (via subclávia, transaxilar, transapical, transeptal, dentre outros).

Para determinar o tamanho do anel valvar, devemos lembrar que o anel aórtico é um anel virtual, definido pelos três pontos de inserção mais baixos de cada um dos três folhetos. Após a identificação desses pontos e consequentemente do anel, são realizadas medidas de diâmetros, perímetro e área, para que com esses dados, seja escolhida o tamanho de prótese valvar adequada. O dimensionamento inadequado está associado a complicações como regurgitação paravalvar, ruptura do anel valvar e embolização de prótese.

Apesar de não serem comuns, as complicações da TAVI são eventos potencialmente graves e, por isso, predizer os riscos desses eventos tem grande importância. A obstrução das coronárias, quando ocorre, é normalmente consequente ao deslocamento e oclusão do óstio coronariano pela interposição de um ou mais folhetos da valva nativa durante o implante ou, menos frequentemente, devido a obstrução pela própria estrutura da prótese. 

Estudos mostraram associação deste evento com altura das coronárias menores do que 10mm e diâmetro do seio de Valsalva menor do que 28mm. Dessa forma, as medidas desses parâmetros devem ser precisas para minimizar esse risco, principalmente em pacientes que já possuem prótese valvar prévia e serão submetidos a um implante percutâneo de uma prótese dentro da outra (valve-in-valve), onde o risco de oclusão de coronárias é 4 a 6 vezes maior. 

A segunda complicação mais temida é a ruptura do anel aórtico. Apesar do cálcio ser fundamental para uma boa zona de ancoragem da prótese, a presença de cálcio em excesso no anel valvar ou na via de saída do ventrículo esquerdo (VE) é um fator de risco para a ruptura do anel valvar e precisa ser avaliado com precisão, pois pode levar a modificações do planejamento do procedimento. Desses fatores, a calcificação da via de saída do VE é o maior preditor de ruptura.

Por permitir uma análise da imagem em três planos, a TCC possibilita antecipar a projeção do melhor ângulo fluoroscópico para a TAVI, sendo uma importante ferramenta auxiliar para a otimização do tempo de procedimento e maior precisão no implante pelo hemodinamicista.

A TCC não é realizada de rotina após o procedimento, porém, pode ser útil na avaliação de complicações, como a regurgitação paravalvar e a anormalidade de folhetos. A regurgitação paravalvar teve sua incidência reduzida graças aos avanços de planejamento e implante valvar. Porém, está associada à grande morbidade e mortalidade e sua correção pode ser desafiadora. Nesse sentido, a TCC propicia um melhor entendimento anatômico do defeito, identifica estruturas vizinhas e fornece medidas. Em relação às anormalidades dos folhetos, a TCC pode identificar a presença de trombose subclínica dos folhetos pela combinação de espessamentos hipoatenuantes associado a mobilidade reduzida.

Os avanços no planejamento e procedimento percutâneo aórtico possibilitaram grande expansão do tratamento valvar percutâneo inclusive para outras valvas cardíacas como mitral e tricúspide. As técnicas de aquisição e simulação computacional através da TCC permitiram o maior entendimento anatômico e particularidades de cada valva, possibilitando tratamentos personalizados, mais seguros, mais precisos e com menos complicações, tendo sido uma ferramenta chave para o tratamento transcateter das valvopatias.