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Prolapso da Valva Mitral

Estado da arte!

Quando falamos em doenças valvares, o prolapso da valva mitral sempre é lembrado, mesmo por quem não lida no dia a dia com pacientes portadores de cardiopatia estrutural. É uma patologia hereditária com mais de 170 milhões de indivíduos acometidos ao redor do mundo e a principal causa de regurgitação mitral degenerativa que leva a necessidade de intervenção cirúrgica.

Histologicamente o prolapso da valva mitral é marcado por uma expansão da camada média esponjosa e alterações estruturais das fibras de colágeno nos folhetos valvares e cordas tendíneas.

Já macroscopicamente é marcado pelo desabamento de parte do aparato valvar mitral para o interior do átrio esquerdo durante a sístole, podendo estar acompanhada de incompetência ou não da valva mitral. Sim, existe prolapso de valva mitral sem regurgitação e digo mais, é o mais comum. Regurgitação maior do que moderado é visto apenas em 10% dos casos de prolapso de valva mitral.

O diagnóstico basicamente é realizado pela ecocardiografia que mostra na janela paraesternal eixo longo componentes da valva mitral ultrapassando 2 mm para o interior do átrio esquerdo. Caso você encontre um paciente que tenha uma alteração da valva mitral, mas que não ultrapasse esses 2 mm, a descrição mais adequada seria valva mitral com coaptação plana sem preencher critérios para prolapso de valva mitral.

No entanto o prolapso da valva mitral não é apenas um problema anatômico que levaria a regurgitação valvar. Recentemente uma série de publicações tem demonstrado que essa coorte de pacientes apresenta um risco de arritmias bem acima da população geral, sendo que em algumas casuísticas vemos até 2% de morte súbita arritmogênica.

Ecotpias ventriculares frequentes podem ser encontradas em até 30% dos pacientes com prolapso de valva mitral, incluindo episódios de síncope sem uma causa bem definida.

Em uma investigação mais profunda, determinou-se um fenótipo mais agressivo da doença que poderia evoluir com esses desfechos arritmogênicos mais graves e essa estratificação pode ocorrer, utilizando-se dos métodos diagnósticos multimodalidade. Nesse contexto vemos um prolapso de ambos os folhetos, disjunção de anel mitral e fibrose miocárdica intersticial, principalmente nos músculos papilares.

Mesmo nesse tipo de paciente, o implante de um CDI profilático ainda é muito discutido na literatura sendo motivo de grandes debates.

Do ponto de vista anatômico e funcional, a valvopatia gerada pelo prolapso da valva mitral tem condução bem estabelecida na literatura atual. Deve-se ter em mente a gravidade da lesão, avaliada pela ecocardiografia e a presença de sintomas. Em casos de insuficiência importante e sintomatologia relacionada à doença valvar, a indicação de intervenção é clara e diversas técnicas podem ser discutidas, como formas de abordagem convencional ou até mesmo percutânea.

Lesões importantes e assintomáticas tem uma indicação menor sempre correlacionada ao grau da repercussão hemodinâmica que encontramos, portanto uma queda na fração de ejeção – e aqui falamos em valores abaixo de 60% – podem indicar intervenção a depender do centro de tratamento e das características do paciente.

Outras repercussões também levantam a possibilidade de intervenção, como dilatação atrial esquerda, fibrilação atrial ou hipertensão arterial pulmonar, mas com menor grau de recomendação.

Vale ressaltar que a busca pelo momento ideal de intervenção é um grande desafio em todas as valvopatias, pois perder o momento certo pode trazer consequências permanentes na função sistólica do VE. No entanto, dentro do contexto do prolapso da valva mitral, essa discussão vai além, pois determinados pacientes, mesmo tendo sido abordados no momento ideal pelas atuais diretrizes podem evoluir com queda na fração de ejeção progressiva, chegando até a estágios avançados. Se há alguma razão fisiopatológica ainda não descrita ou melhor entendida, as pesquisas futuras podem responder.

Perfis de fibrose miocárdica podem participar desse processo de deterioração da função sistólica ventricular, mas os métodos para seu diagnóstico e a perfeita compreensão de seus mecanismos ainda seguem sendo discutidos atualmente.

Com relação aos desfechos elétricos, temos diversas situações ainda em aberto. Inicialmente o gatilho arritmogênico é uma grande discussão, desde teorias em que apenas o estiramento sistólico dos músculos papilares ou mesmo cicatrizes fibróticas extensas poderem servir de substrato inicial geram grandes debates. Vale inclusive relatar que o procedimento cirúrgico, por implantar anel de sustentação poderia reduzir as forças de tração e diminuir a densidade arritmogênica.

Muitos dos achados fenotípicos relacionados a morte súbita ainda carecem de explicações se são apenas marcadores de gravidade ou se são, de fato, os causadores do processo.

Um processo recente nessa “timeline” científica é o processo de inflamação que é diferente do processo de fibrose, embora possam estar associados. Quadros de inflamação subclínica foram documentos através do PET-CT e foram correlacionados com eventos arrítmicos malignos. Até mesmo o processo de estiramento das cordas tendíneas pode levar a um quadro inflamatório miocárdico, gerar fibrose e servir de gatilho arritmogênico.

Achados no eletrocardiograma de superfície podem ser relacionados a esses eventos, como inversão de onda T, principalmente na parede inferior, embora esse achado não seja decisivo no processo de indicação de um possível CDI. Mapeamento elétrico também não se mostrou muito eficiente, mesmo num processo de ablação, visto que nem todos os pacientes apresentam processos cicatriciais bem delimitados, o que inviabilizaria o procedimento.

Atualmente, o grau da valvopatia e suas repercussões são divisores entre pacientes com bom prognóstico ou não e existe um estereótipo a parte que deve ser bem avaliado quanto a eventos arrítmicos graves, que pode ter interseção ou não com o grau da valvopatia. Indentificar os pacientes mais graves é fundamental e o uso dos métodos diagnósticos mais avançados com uma avaliação clínica criteriosa parece ser a melhor ferramenta contemporânea para abordar o prolapso da valva mitral.

Literatura Sugerida: 

1 – Delling FN, Noseworthy PA, Adams DH, et al. Research Opportunities in the Treatment of Mitral Valve Prolapse: JACC Expert Panel. J Am Coll Cardiol. 2022 Dec 13;80(24):2331-2347.

 

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