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Regurgitações Valvares

O papel da RNM

Com a crescente prevalência das insuficiências valvares na prática clínica, compreender as vantagens e limitações dos métodos de imagem disponíveis é essencial ao cardiologista.

A ecocardiografia é a modalidade de escolha na avaliação das patologias valvares por sua ampla disponibilidade, facilidade de uso e extensa validação. Porém, pacientes com janela acústica inadequada, presença de jatos regurgitantes excêntricos e/ou múltiplos, e orifícios regurgitantes não circulares tornam a avaliação não só desafiadora, mas também reduzem sua acurácia quantitativa.

Nesse cenário, a ressonância magnética cardíaca contribui com a quantificação do volume e fração regurgitantes com metodologia diferente, independente de janela acústica adequada ou características do jato ou orifício regurgitante. Também, proporciona medidas de volume das câmaras cardíacas, de fração de ejeção e de massa miocárdica, especialmente das cavidades direitas do coração, onde o ecocardiograma é mais limitado. Por fim, com ferramentas como o realce tardio e o mapa T1, a ressonância ajuda no diagnóstico da doença miocárdica subjacente e adiciona valor prognóstico principalmente nas insuficiências de mecanismo secundário.

Nesta revisão vamos discutir de forma objetiva o papel da ressonância na avaliação da insuficiência de cada uma das valvas cardíacas.

 

Insuficiência mitral:

  • A avaliação morfológica e funcional da valva mitral permite identificar o mecanismo da insuficiência: prolapso, espessamento das cúspides e presença de jato regurgitante excêntrico reforçam etiologia primária; valvas tracionadas por dilatação do anel e/ou do ventrículo com jato regurgitante central reforçam etiologia secundária.
  • A quantificação da insuficiência por ressonancia habitualmente é feita por método indireto, porque o volume regurgitante não é calculado diretamente na valva mitral ou jato regurgitante, e sim através da subtração do volume ejetado pela aorta (calculado pelo método de quantificação direta de fluxo, o phase contrast) do volume ejetado pelo ventrículo esquerdo (calculado pelo método de Simpson).
  • Frequentemente o volume regurgitante calculado pela ressonancia é menor que o do ecocardiograma por refletir o volume regurgitado em todo o período sistólico. Essa discrepância é mais frequente quando há jatos múltiplos e/ou telessistólicos, onde o método mais usado na ecocardiografia – o PISA – se torna limitado. O uso da fração regurgitante como estratificador é mais recomendado pois reflete melhor a sobrecarga hemodinâmica da insuficiência, principalmente na etiologia secundária. Pacientes com fração regurgitante acima de 40% para insuficiência mitral primária ou 30-35% para insuficiência mitral secundária na ressonancia seriam portadores de regurgitação mitral importante segundo alguns estudos prognósticos.

    

Insuficiência aórtica:

  • A ressonancia permite avaliar a morfologia valvar, definir o mecanismo, medir os diâmetros aórticos e quantificar de forma direta a insuficiência. Por se tratar de uma quantificação direta (diferente da quantificação indireta da insuficiência mitral), tem ainda maior acurácia e reprodutibilidade. Estudos comparativos entre ressonancia e ecocardiograma, assim como estudos prognósticos ainda são escassos e se propõe como insuficiência significativa a fração regurgitante ≥ 30% ou volume regurgitante > 40 ml, bem inferiores aos parâmetros ecocardiográficos ≥ 50% e ≥ 60 ml respectivamente.

 

Insuficiência tricúspide: 

  • A avaliação morfológica e a quantificação da regurgitação tricúspide por ecocardiografia é muito mais desafiadora que na insuficiência mitral e aórtica. Sua posição mais anterior no tórax, distante do esôfago, sua variabilidade anatômica, seu orifício regurgitante na maioria dos casos não circular (90% das etiologias são secundárias) dificultam e reduzem a acurácia da avaliação ecocardiográfica.
  • A ressonância tem vantagens na seleção de planos de corte irrestritos para avaliação anatômica e na quantificação da insuficiência tricúspide por se tratar de um método independente das características do jato ou orifício regurgitante. De forma indireta, semelhante à mitral, o volume regurgitante da insuficiência tricúspide é calculado subtraindo o volume ejetado na pulmonar (phase contrast) do volume ejetado pelo ventrículo direito (Simpson).
  • Estudo avaliando a quantificação da insuficiência tricúspide por ressonância identificou maior mortalidade nos pacientes com fração regurgitante ≥ 50% e volume regurgitante ≥ 45mL, sendo esses os valores de corte mais apropriados na atualidade para identificar insuficiência tricúspide importante.

 

Insuficiência pulmonar: 

  • Ao contrário das outras valvopatias descritas, a ecocardiografia tem seu uso limitado na avaliação da insuficiência pulmonar devido à posição adversa da valva pulmonar. A ressonância, por outro lado, fornece planos de imagem irrestritos para avaliação valvar e da função do ventrículo direito. É, portanto, um método frequentemente utilizado no auxílio à indicação de intervenção valvar, principalmente em pacientes com patologias congênitas, como após reparação da Tetralogia de Fallot (T4F).
  • A última diretriz europeia de cardiopatias congênitas sugere acompanhamento dos pacientes reparados de tetralogia por meio da ressonância, e propõe abordagem cirúrgica para pacientes com insuficiência pulmonar importante (fração regurgitante > 30-40%) que desenvolvam sintomas ou assintomáticos com pelo menos um critério: diminuição da capacidade de exercício; dilatação progressiva do ventrículo direito (volume diastólico final indexado ≥ 160 mL/m² e/ou volume sistólico final indexado ≥ 80 mL/m² ); insuficiência tricúspide moderada e/ou disfunção sistólica progressiva do ventrículo direito.

 

Direções futuras:

  • A avaliação do fluxo 4D por ressonância é uma técnica recente que permite a visualização do jato em múltiplas orientações ajudando a elucidar o mecanismo regurgitativo, mas ainda carece de estudos validando a quantificação da insuficiência. Suas desvantagens são o longo tempo de aquisição e a necessidade de softwares de pós-processamento específicos.
  • Estudos indicam que a avaliação de fibrose adiciona valor prognóstico principalmente na insuficiência mitral secundária; a distribuição e a extensão da fibrose pela técnica do realce tardio estiveram associadas à mortalidade, necessidade de transplante e resposta ao tratamento clínico ou cirúrgico. Na etiologia primária, há evidência sugerindo que a avaliação de fibrose intersticial por meio do cálculo do volume extracelular possa ter impacto prognóstico e predizer necessidade de cirurgia em pacientes assintomáticos com insuficiência moderada e importante.

Literatura Sugerida: 

1 – Vermes E, Iacuzio L, Levy F, Bohbot Y, Renard C, Gerber B, Maréchaux S, Tribouilloy C. Role of Cardiovascular Magnetic Resonance in Native Valvular Regurgitation: A Comprehensive Review of Protocols, Grading of Severity, and Prediction of Valve Surgery. Front Cardiovasc Med. 2022 Jul 7;9:881141.

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