Essa valva importa?
Por muito tempo, a valva tricúspide foi negligenciada, sendo relegada ao papel de coadjuvante nas avaliações clínicas e discussões de casos. Em um cenário de conhecimento incipiente sobre remodelamento ventricular, mais precisamente sua relação com o aparato valvar e hemodinâmica dos vasos pulmonares, o protagonismo era quase completamente deixado para as valvopatias da circulação esquerda.
A expansão do conhecimento fisiopatológico e diagnóstico trouxe consigo o entendimento de que a insuficiência tricúspide pode ser tanto causa como consequência de alterações na hemodinâmica cardiovascular, e evidenciou a necessidade de se aprimorar os métodos de avaliação e tratamento desta condição.
Formada por uma anatomia variável e muitas vezes complexa, a valva tricúspide é composta por três folhetos de tamanhos diferentes, frequentemente com variações em pessoas saudáveis. Seu anel valvar é largo e se assemelha a uma sela, com diâmetro ainda maior na diástole, permitindo um grande fluxo passivo de sangue sob baixa pressão para o ventrículo direito. Essa configuração específica permite que pequenas alterações estruturais tenham grandes repercussões. Estimativas sugerem que uma dilatação anular de 40% é suficiente para gerar refluxo clinicamente importante, enquanto, na valva mitral, esse número gira em torno de 75%.
A apresentação clínica da regurgitação tricúspide normalmente se apresenta de forma tardia e está diretamente relacionada ao mecanismo, gravidade e tempo de instalação do refluxo. Classicamente estão presentes o edema periférico, turgência de veias jugulares e sopro sistólico mais audível em foco tricuspídeo, que pode aumentar de intensidade com a manobra de Rivero-Carvallo. Em quadros mais avançados pode haver dispneia aos esforços, e a congestão visceral pode gerar disabsorção intestinal, anasarca e síndromes cardiorrenal e cardio-hepática, sendo estes fortes preditores de mortalidade e hospitalização.
Para uma compreensão mais ampla dos diferentes mecanismos e implicações dessa condição, houve um refinamento na classificação da regurgitação tricúspide por meio de uma estrutura de categorização atualizada. Esta abordagem permitiu criar distinções entre regurgitação tricúspide primária, secundária atrial e secundária ventricular, sendo esta última responsável por aproximadamente 80% dos casos. A regurgitação tricúspide associada a dispositivos cardíacos eletrônicos implantáveis constitui uma classificação à parte, com dados de prevalência e significância clínica ainda controversos.
Na prática, a ecocardiografia constitui a principal técnica para avaliação morfológica e funcional, auxiliando na identificação das causas e gravidade da regurgitação tricúspide. Porém, em pacientes com avaliações ecocardiográficas subótimas, discrepâncias entre a classificação ecocardiográfica e a apresentação clínica e, principalmente, nos candidatos à intervenção transcateter, métodos de imagem como ressonância magnética cardíaca e tomografia computadorizada podem melhorar a avaliação morfofuncional de todo o aparato valvar e impactar na estratégia terapêutica. Ainda, a aferição invasiva de pressões e gradientes por meio do cateterismo de câmaras direitas pode ser utilizada na pré-abordagem de pacientes com refluxo tricuspídeo importante.
O manejo clínico desta condição permanece em um cenário de escassez de evidências robustas. Diuréticos consistem em uma opção para manejo da volemia e congestão sistêmica, podendo auxiliar no controle da pré e pós-carga do ventrículo direito. No entanto, podem ocorrer mecanismos de resistência, especialmente no contexto de disfunção ventricular esquerda, o que confere pior prognóstico.
Apesar do tratamento medicamentoso da insuficiência cardíaca ter avançado nos últimos anos, a magnitude do benefício alcançado para pacientes com regurgitação tricúspide e disfunção ventricular direita é pouco compreendida. De fato, nos estudos que avaliaram o impacto de mediações na insuficiência ventricular esquerda, foi notado melhora de sintomas e sobrevida nas subpopulações portadoras de insuficiência tricúspide, porém, esse efeito pode ser atribuído à melhora hemodinâmica da circulação esquerda, e não necessariamente à redução da insuficiência tricúspide. Ainda, a terapia de ressincronização cardíaca parece reduzir a gravidade da regurgitação tricúspide, embora os critérios clássicos para sua indicação não envolvam a avaliação funcional dessa válvula.
A apresentação tardia de pacientes com regurgitação tricúspide sintomática está associada a uma mortalidade intra-hospitalar significativa na cirurgia de substituição dessa válvula. Além disso, a população de pacientes candidatos à intervenção se mostra extremamente heterogênea, e não há escores de risco apropriados para este tipo de abordagem isolada. A refratariedade ao tratamento clínico, presença de sintomas, características do jato regurgitante e repercussão sob a contratilidade ventricular comumente são critérios para indicação cirúrgica, no entanto, nos pacientes com esse perfil e que apresentem ainda hipertensão pulmonar importante e disfunção ventricular esquerda, não há evidências consistentes acerca benefício da cirurgia de valva tricúspide.
Nesse contexto, as diretrizes recomendam o tratamento cirúrgico para regurgitação tricúspide grave, com uma recomendação de classe I, especialmente nos casos em que cirurgias cardíacas já estejam indicadas primariamente por outro motivo. Além disso, abordagens transcateter estão sendo agressivamente desenvolvidas como intervenções menos invasivas para pacientes de alto risco para a abordagem convencional.
Literatura Sugerida:
Click Valvar Academy#455 – Review da Insuficiência Tricúspide
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