Speckle Tracking Atrial

A Doença Cardíaca Reumática (DCR), uma complicação da Febre Reumática Aguda, afeta principalmente indivíduos mais jovens e possui maior prevalência no sexo feminino. A estenose mitral, lesão crônica valvar mais comum na DCR, resulta em uma obstrução ao enchimento diastólico do ventrículo esquerdo, levando ao aumento progressivo do Átrio Esquerdo.

Tal sobrecarga crônica causa uma desorganização do feixe muscular e fibrose, desencadeando uma rigidez e disfunção do reservatório atrial. O processo de remodelação estrutural leva, desse modo, a uma remodelação elétrica e consequente Fibrilação Atrial.

Mesmo com a administração de anticoagulantes, no estudo Invictus, foi registrada uma taxa de 11,1% de AVC isquêmico associado a essa arritmia. Assim, torna-se evidente a importância de realizar o rastreamento e a intervenção precoce em pacientes que apresentam disfunção atrial como resultado da uma estenose mitral.

A ecocardiografia, particularmente a ecocardiografia transesofágica, é atualmente a modalidade de escolha para avaliação do átrio esquerdo, pelo fato de permitir, em quase todos os pacientes, um delineamento completo dos detalhes anatômicos e avaliação abrangente da sua função. A Ecocardiografia bidimensional Speckle Tracking, tem sido sugerida como sendo mais precisa em termos de diagnóstico.

O Speckle Tracking bidimensional possibilita avaliar os parâmetros individuais de deformação miocárdica, incluindo taxa de deformação e rotação, fornecendo informações sobre a função de camadas individuais de fibras miocárdicas. A avaliação da função atrial pelo Speckle Tracking foi relatada pela primeira vez em 2007 e mais de 500 artigos foram publicados desde então.

            Um estudo realizado na Universidade Menoufia em 2019, no Egito, incluiu 33 pacientes, com estenose mitral, recrutados no ambulatório de cardiologia durante o período de junho de 2015 a junho de 2017. O objetivo principal foi avaliar a função mecânica do apêndice atrial esquerdo em pacientes com estenose mitral moderada a severa e com ritmo sinusal, por meio da Ecocardiografia bidimensional Speckle Tracking e da taxa de deformação por meio da ecocardiografia transesofágica.

Observou-se uma menor fração de ejeção do apêndice atrial esquerdo no grupo com estenose mitral, resultado semelhante com estudo de Gorbasi et al e Topsakal et al. A deformação global do apêndice atrial apresentou uma correlação negativa com o diâmetro do átrio esquerdo, a pressão sistólica da artéria pulmonar e o grau de contraste espontâneo no eco; ao mesmo tempo, mostrou uma correlação positiva com a área da estenose mitral e o fluxo Doppler no apêndice atrial esquerdo. O estudo concluiu, até esse ponto, que o Speckle Tracking pode ajudar na descoberta precoce do acometimento e progressão da doença, podendo adicionar informações incrementais para prever a ocorrência de trombos no apêndice atrial esquerdo e o desenvolvimento de Fibrilação Atrial.

Corroborando com esses achados, um estudo publicado em 2021 examinou a função do átrio esquerdo com Speckle Tracking em 80 pacientes com estenose mitral reumática grave em ritmo sinusal, bem como em 40 pacientes sem doença valvar. Os resultados revelaram que os valores numéricos de todos os três parâmetros de deformação do átrio esquerdo demonstraram uma tendência de redução à medida que a área valvar mitral diminuía, o tamanho do átrio esquerdo aumentava, a gravidade da hipertensão pulmonar aumentava e os gradientes médio e máximo aumentavam.

Além disso, a disfunção atrial piorava proporcionalmente com a gravidade da estenose, independentemente da gravidade dos sintomas do paciente, conforme a classificação da New York Heart Association (NYHA). Isso sugere a importância de uma intervenção precoce em pacientes com estenose mitral grave, independentemente da classe funcional da NYHA, uma vez que isso pode potencialmente melhorar a função do átrio esquerdo.

Frente aos estudos aqui apresentados, ainda incipientes e que carregam diversas limitações, surgem alguns questionamentos: Qual o custo-efetividade da ferramenta Speckle Tracking? A dispersão atrial, parâmetro medido pelo Speckle Tracking, entrará como novo preditor para Fibrilação Atrial na Doença Cardíaca Reumática? Será viável incorporar tal técnica ao Sistema Único de Saúde?