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TAVI e Insuficiência Cardíaca

Estado da arte – Parte 2

Dando sequência ao conteúdo que publicamos na semana passada sobre TAVI em um contexto de insuficiência cardíaca com queda na fração de ejeção, algumas peculiaridades clínicas nesse contexto merecem ser lembradas. A presença de peptídeos natriuréticos elevados pode informar o grau de estresse ou dano miocárdico subjacente e, portanto, podem antever o início dos sintomas em pacientes com estenose aórtica grave assintomática, refletindo a transição desadaptativa da hipertrofia compensada para a descompensada do ventrículo esquerdo.

Além disso, o NT-proBNP funciona como marcador prognóstico de resposta clínica após o tratamento intervencionista: tanto níveis baixos (<800 mg/L) como muito elevados (>10.000 ng/L) estão associados à ausência de melhora sintomática 1 ano após TAVI – o primeiro por sugerir causa alternativa para os sintomas, o segundo por sugerir dano ventricular irreversível.

O tratamento de pacientes com estenose aórtica e outros fenótipos de insuficiência cardíaca, como aqueles com FEVE preservada, merecem ser devidamente discutidos. Sabe-se que 15% desses pacientes apresentam amiloidose cardíaca e estudos pequenos sugerem que os resultados de troca valvar percutânea podem ser melhores do que cirurgicamente. Entretanto, mesmo quando a escolha é por TAVI, devida atenção deve ser dada ao manejo, como a suspensão de betabloqueadores e o uso restrito do rapid pacing durante o implante da prótese, devido a baixa tolerabilidade nesta população.   

Já na presença de cardiomiopatia hipertrófica (CMH) concomitante à estenose aórtica, o manejo pode ser ainda mais desafiador. Na impossibilidade de tratamento cirúrgico (miectomia e troca valvar) para ambas as condições, o tratamento percutâneo pode ser alternativa, mas com muita cautela. O TAVI pode levar a queda abrupta da pós carga, resultando em obstrução dinâmica do fluxo na região subvalvar e colapso hemodinâmico (situação conhecida como “ventrículo suicida”), com estudos mostrando maior mortalidade hospitalar e choque cardiogênico pós procedimento nesses pacientes. Portanto, recomenda-se ablação septal (alcoólica ou radiofrequência), seguida de TAVI após reavaliação dos gradientes, geralmente após 2 ou 3 meses.

Por falar em procedimentos combinados, não se pode esquecer que esses pacientes frequentemente apresentam insuficiência mitral. A concomitância destas valvopatias implica em pior prognóstico e a irreversibilidade do grau de regurgitação mitral em metade dos pacientes submetidos à TAVI coloca na mesa a necessidade de incluir o tratamento percutâneo da valvopatia mitral no plano terapêutico destes pacientes, especialmente naqueles com fibrilação atrial e hipertensão pulmonar.

Mas será que diante de tantas alterações estruturais concomitantes não seria melhor considerar transplante cardíaco? Não existem estudos comparativos que abordem especificamente esta questão. Os dados sugerem que em pacientes com estenose aórtica grave, disfunção sistólica grave do ventrículo esquerdo e doença arterial coronariana, que necessitem de 3 ou mais pontes de safena ou com história prévia de infarto do miocárdio, o transplante cardíaco pode ser uma boa alternativa.

A utilização de dispositivos de assistência ventricular esquerda neste cenário é incomum. Mas vale lembrar que o desenvolvimento de insuficiência aórtica acontece em até 52% dos casos, pois a descompressão ventricular juntamente com uma pressão constantemente elevada acima da valva aórtica leva a um aumento do gradiente transvalvar, fusão das comissuras e insuficiência aórtica progressiva.

No contexto de choque cardiogênico cuja causa é estenose aórtica, não existem grandes ensaios prospectivos sobre a melhor estratégia de manejo. O uso de nitroprussiato de sódio parece transitoriamente melhorar o perfil hemodinâmico, assim como o balão intra-aórtico (BIA) e, os menos disponíveis, TandemHeart (LivaNova), Impella (Abiomed) e oxigenação por membrana extracorpórea venoarterial. Mas sabe-se que, embora essas estratégias de tratamento sejam importantes durante o manejo inicial do choque cardiogênico com EAo grave, foco deve ser dado ao ponto crucial, que é o tratamento da obstrução fixa.

A TAVI tem sido uma opção viável nos últimos anos, mas seu uso na emergência está associado a taxas mais altas de lesão renal aguda e necessidade de diálise. Como alternativa, a valvoplastia aórtica com balão de resgate pode ser razoável.

Por fim, como visto neste artigo, bastante atenção tem sido dada ao desenvolvimento de dispositivos transcateter, assistência ventricular e novas tecnologias para o manejo de pacientes com estenose aórtica e queda na fração de ejeção. Entretanto, pilar importante nessa jornada também é o tratamento clínico, pois mesmo após o TAVI, a causa mais frequente de hospitalização destes pacientes é insuficiência cardíaca.

Assim, o uso de medicamentos que auxiliem no remodelamento reverso e recuperação do VE antes da troca valvar são recomendados. Após o procedimento, identificar os pacientes de mais alto risco para descompensação, manter um acompanhamento ambulatorial rigoroso para otimizar status volêmico e garantir o uso de medicações que impactam na sobrevida de pacientes com disfunção ventricular é fundamental.

Importante lembrar que a troca valvar é muitas vezes apenas o início do tratamento de pacientes complexos como esses, daí a necessidade de uma transição perfeita para o tratamento clínico otimizado da insuficiência cardíaca e a consideração de terapias adicionais.

Aproveitar técnicas de imagem multimodal e biomarcadores para detectar danos cardíacos estruturais precocemente e definir com sabedoria o melhor momento da intervenção é fundamental para mitigar a progressão da doença para insuficiência cardíaca avançada e irreversível. Vários ensaios clínicos em andamento ajudarão a informar as melhores práticas no manejo desses pacientes, particularmente no que diz respeito ao timing da intervenção – possivelmente ainda quando a estenose é moderada – e a farmacoterapia da insuficiência cardíaca após TAVI. Aguardamos ansiosos!

Literatura Sugerida: 

1 – Okumus N, Abraham S, Puri R, Tang WHW. Aortic Valve Disease, Transcatheter Aortic Valve Replacement, and the Heart Failure Patient: A State-of-the-Art Review. JACC Heart Fail. 2023 Aug;11(8 Pt 2):1070-1083.

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