Valva Mitral

A valva mitral sempre despertou fascínio na cirurgia cardíaca. Sua funcionalidade precisa e anatomia complexa fazem dela uma área de interesse significativo na pesquisa médica e na prática clínica. A história do tratamento das patologias valvares tem início em 1923, no “Peter Bent Brigham Hospital”, hoje “Brigham and Woman’s Hospital”, onde a primeira intervenção cirúrgica na valva mitral foi realizada pelo cirurgião Elliott Carr Cutler. A paciente, de apenas 12 anos, estava em estado crítico pela insuficiência cardíaca já instalada devido uma estenose mitral reumática e foi submetida a uma incisão no ápice do ventrículo esquerdo associada a “comissurotomia digital” com separação de suas cúspides. Apesar das adversidades, a cirurgia foi bem-sucedida e a paciente apresentou boa recuperação, dessa forma, o procedimento foi um marco na história da cirurgia cardíaca e representou um avanço significativo no tratamento de doenças valvulares cardíacas.

Após o sucesso inicial, Dr. Cutler desenvolveu o dispositivo “cardiovalvulótomo”, que tinha como objetivo excisar uma porção da válvula mitral para transformar a estenose em insuficiência. Embora essa ideia não tenha obtido sucesso, a proposta foi um dos primeiros passos na direção ao que conhecemos hoje por valvuloplastia. Vale lembrar também a importante publicação de Hansen et al. em 1986, realizado em modelos caninos, que enfatizou a importância da preservação do aparelho mitral para manter a função ventricular, visto que em seu estudo, a ausência das estruturas subvalvulares mitral levavam a uma mudança de conformação ventricular durante sua sístole com comprometimento do volume sistólico ejetivo final, desempenhando um papel fundamental na mudança de ênfase do tratamento de substituição da valva mitral para o reparo da valva mitral, uma tendência que continua até os dias de hoje.

Curiosamente, é importante citar três temas e artigos dos quais são os mais citados. O primeiro deles, e norteador das técnicas atuais de plastia da valva mitral, refere-se a Carpentier com sua técnica de “french correction” da valva mitral, com o objetivo de devolver sua funcionalidade, datado de 1983. O segundo nos faz refletir sobre questões mais profundas e filosóficas no âmbito das políticas publicas, no qual em 2001 Mohr e colaboradores já mostravam a viabilidade da cirurgia da valva mitral por técnica robótica. Por último, em 2010, Webb e colaboradores comprovam a segurança no tratamento transcateter da valva mitral.

Os avanços contínuos na compreensão e tratamento das doenças da valva mitral continuam a alimentar o fascínio e o progresso nessa área da medicina. À vista disso, não é surpresa que hoje haja centenas de artigos científicos sobre os aspectos cirúrgicos da correção dessa valvopatia. Uma revisão bibliográfica recente realizada por Allen e colaboradores selecionou os 100 artigos mais citados específicos para cirurgia da valva mitral, ​​com o objetivo de, dentre outros, identificar os periódicos com maior fator de impacto, os principais artigos publicados por década e os temas de pesquisa comuns. Os países com maior número de publicações em valva mitral são Estados Unidos, Canada e França, respectivamente. Das instituições, destacam-se Mayo Clinic, Toronto General Hospital e Cleveland Clinic. A maioria dos artigos avaliados e encontrados na pesquisa de Allen, advém de periódicos específicos na área de cirurgia cardiovascular, sendo eles “Circulation”, “Journal of Thoracic and Cardiovascular Surgery”, “Annals of Thoracic Surgery” e “European Journal of Cardio-Thoracic Surgery”.

Em suma, o que todo o exposto acima nos mostra e pode nos orientar para nossa prática clínica? Primeiramente, saber onde está a mina de ouro de nossa pesquisa, onde estão sendo discutidos e publicados os artigos de alto impacto, basta ver de uma pesquisa de mais de 1000 artigos revistos e 100 selecionados, 4 periódicos detiveram mais de 50% das publicações. Em segundo, considerando o ano em que estamos e o boom de publicações a partir dos anos 2000, quando falamos de valva mitral ainda estávamos andando a passos curtos, e 100 anos após a primeiro comissurotomia este tema ainda é um diamante bruto a ser lapidado por nós cirurgiões e cardiologistas.