Quando pensamos em prevenção cardiovascular, muito provavelmente uma série de patologias vem a sua mente, quase que invariavelmente, de cunho metabólico. Afinal, pacientes com distúrbios metabólicos evoluem com alto risco de desenvolvimento de cardiopatias, principalmente baseados na doença arterial coronariana.
Conhecer a fisiopatologia dessas doenças é uma habilidade que deve ser dominada pelo médico desde que ele ainda está na graduação, nas fases iniciais de sua longa jornada.
Esse é um ponto muito negligenciado por vários colegas, mas hoje quero na verdade abordar outros aspectos interessantes dessa visão geral focada na prevenção cardiovascular. E mesmo que isso possa te soar estranho em um podcast voltado para o mundo das valvopatias e cardiopatia estrutural, vou lhe mostrar que nosso raciocínio tem que manter isso em foco também.
Pacientes que desenvolvem diabetes, dislipidemia, doença renal crônica, são hipertensos e tem história de tabagismo já nos ligam o alerta para risco cardiovascular elevado, como o desenvolvimento de infarto agudo do miocárdio, eventos cerebrovasculares como o acidente vascular encefálico ou mesmo acometimentos da aorta, como dissecção de aorta.
Mas será que, de forma geral, temos na mente do cardiologista clínico, que também temos um elevado risco de estenose aórtica calcifica? Quando for examinar esse paciente, o cardiologista vai dar atenção devida à ausculta em busca de um sopro?
Tanto a estenose aórtica calcifica, quando a doença arterial coronariana aterosclerótica compartilham da mesma fisiopatologia. Partem da deposição de partículas de colesterol abaixo do entotélio. Enquanto isso ocorre nos vasos coronarianos, temos o estreitamento luminal e também o risco de uma ruptura de placa e trombose local, levando ao quadro de infarto agudo do miocárdio. Já quando ocorre na topografia da valva aórtica, o risco não é de redução luminal ou mesmo de ruptura de placa, mas sim de enrijecimento dos folhetos, levando a uma abertura inadequada e geração de gradiente transvalvar.
Mais de metade dos pacientes que tem estenose aórtica degenerativa de grau importante, tem também doença arterial coronariana com estreitamento luminal acima de 70%, ou seja, passível de revascularização.
Acho que já passou da hora de termos esse tipo de raciocínio na mente dos cardiologistas clínicos. Claro que suspeitar da doença coronariana é fundamental e é um dos pilares do rastreio cardiovascular, mas ter em mente que valvopatias degenerativas podem estar ali, esperando para serem diagnosticadas é crucial. Afinal, chegar bem na hora de uma intervenção qualquer, passar por avaliação pré-cirúrgica e só termos o rastreio de doença arterial coronariana pode colocar seu paciente em risco.
Anamnese e exame físico bem feitos já resolveriam a imensa maioria dos casos e aliado a uma ecocardiografia beira-leito, as chances de diagnóstico beiram os 100%.
Diante de um idoso cheio de comorbidades, procure doença arterial coronariana, mas não se esqueça das valvopatias degenerativas, elas são importantes e mais prevalentes do que podemos imaginar.