Desafios dos novos tratamentos em posição mitral
Valve-in-Valve, Valve-in-Ring e Valve-in-Mac.
A doença valvar mitral é a valvopatia mais comum nos países desenvolvidos e a cirurgia de troca valvar é o tratamento padrão-ouro. Devido a uma mudança consistente na quantidade de implantes de próteses mecânicas para biológicas, um número crescente de pacientes vem apresentando degeneração valvar com o passar dos anos. A reoperação da valva mitral muitas vezes envolve alto risco devido a idade, múltiplas comorbidades e anatomia hostil. Além disso, os pacientes com calcificação anular mitral grave (MAC) associados a doença valvar mitral são consideradas fracos candidatos à cirurgia tradicional devido aos desafios técnicos e à alta mortalidade perioperatória.
Em se tratando de cirurgia valvar aberta, a abordagem da mitral, geralmente, tem maior risco e mais complicações que a intervenção aórtica. Para os especialistas, tratar a mitral é um desafio e a prioridade, quando possível, é preservar o aparato valvar e subvalvar. Com o advento das terapias menos invasivas, surgiram novos desafios, como vias de acesso, tamanho das próteses e obstrução da via de saída, assim como os riscos inerentes ao procedimento.
Ao longo dos anos, vimos os procedimentos em posição aórtica crescer exponencialmente após o advento da TAVI (Transcatheter Aortic Valvular Implantation) em 2002 com o first-in-man realizado por Cribier e colaboradores. O primeiro valve-in-valve (ViV) em posição aórtica demorou quase 10 anos para ser publicado. Atualmente, 20 anos após a primeira terapia transcateter em posição aórtica especialistas do mundo todo ainda encontram barreiras para realizar tal façanha na valva mitral.
Dados apontam que a mortalidade cirúrgica na reoperação em posição mitral é superior a 10%. Em contrapartida quando se trata do ViV mitral esses números giram em torno de 7,7%, 8,9% e 3,3% segundo resultados parciais dos trabalhos VIVID, TVT e MITRAL respectivamente, corroborando com o benefício das terapias menos invasivas em casos selecionados.
Em trabalho publicado no JACC Cardiovascular Interventions em 2017, 87 pacientes foram selecionados para ViV (n=60), valve-in-ring (ViR) (n=15) e valve-in-MAC (ViMAC) (n=12); STS de 13±8% com média de idade de 75±11 anos. A sobrevida em 30 dias foi de 95% ViV e 78% ViR/ViMAC; em 1 ano de 86% e 68% respectivamente. Esses dados demonstraram melhores resultados para ViV comparado aos outros dois procedimentos. Nesse mesmo trabalho as principais complicações ocorreram nos grupos ViR e ViMAC, sendo a mais temida delas a obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo com taxa de ocorrência de 20% e mortalidade em torno de 25%.
Outro registro de tratamento transcateter da mitral publicado em 2018 no European Heart Journal, contou com 512 pacientes sendo ViV (n=322), ViR (n=141) e ViMAC (n=58); STS de 9±7% com média de idade de 73±12 anos. A mortalidade em 30 dias foi de 34,5% ViMAC, 9,9% ViR e 6,2% para ViV. A obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo ocorreu mais frequentemente no ViMAC 39,7% vs. 7,2% ViV/ViR. A mortalidade em um ano também foi significativamente maior no grupo ViMAC (62,8%).
Em editorial escrito por Francesco Maisano intitulado “Mitral valve-in-valve, valve-in-ring, and valve-in-MAC: the Good, the Bad, and the Ugly”, e do qual nós do The Valve Club tivemos o privilégio de discutir pessoalmente com o próprio Maisano. O autor pontua sobre a atual conjuntura dos procedimentos em valva mitral e coloca atualmente o ViMAC na posição vilão já demonstrado em outros trabalhos, frente o risco de obstrução da via de saída e pela alta mortalidade em 30 dias e 1 ano quando comparado aos outros procedimentos.
Agora surgem alguns apontamentos:
- Substituição cirúrgica valvar mitral em pacientes com cirurgia prévia da mesma ou MAC grave é frequentemente associada a risco alto ou proibitivo.
- O implante percutâneo de valva mitral em pacientes de alto risco com biopróteses degeneradas foram associadas a alívio dos sintomas e boa função da prótese em 1 ano de seguimento.
- Estudos em larga escala e com maiores seguimentos de pacientes submetidos à implante percutâneo de valva mitral são necessários para esclarecer muitas questões pertinentes ao assunto.