Strain do VE pode indicar?
O Implante Transcateter Valvar Aórtico, ou simplesmente TAVI, se tornou o método de escolha para tratar a estenose aórtica importante sintomática em idosos de moderado a alto risco cirúrgico. A troca valvar é indicada quando surgem sintomas ou disfunção sistólica do ventrículo esquerdo, caracterizada como fração de ejeção menor que 50%. Porém, a hipertrofia ventricular esquerda que ocorre em resposta a pós-carga elevada imposta pela obstrução da via de saída, pode mascarar essa queda da função sistólica, tornando um desafio estimar a disfunção com precisão.
Nesse contexto, surge o Strain Global Longitudinal, uma ferramenta para detecção precoce da disfunção sistólica ventricular. Essa técnica permite a detecção incipiente, antes da queda da fração de ejeção, avaliando principalmente a função das fibras musculares subendocárdicas, que se movimentam longitudinalmente.
Acredita-se que com o desenvolvimento da hipertrofia na estenose aórtica, um estado de isquemia dos miócitos subendocárdicos pode ser desenvolver, visto ser essa região a mais prejudicada fisiologicamente quanto ao fluxo coronariano. Esse processo pode, inclusive, culminar com fibrose nessa topografia, justamente onde há predomínio das fibras musculares orientadas longitudinalmente, consequentemente levando à redução do strain longitudinal global. Está em constante discussão na literatura se essa redução antes da intervenção estaria correlacionada a desfechos pós-TAVI.
Em uma metanálise que avaliou mais de 1100 estudos foram compilados resultados de 12 estudos que juntosavaliaram mais de 2000 adultos com estenose aórtica importante e sintomática, submetidos ao TAVI, com avaliação de strain antes e depois do procedimento.
Os desfechos desses estudos foram mortalidade por todas as causas e eventos cardiovasculares maiores (MACE). A população apresentou média de idade de 81 anos, sendo 49.8% mulheres, 66% em classe funcional NYHA ≥ III, área valvar média de 0.7cm², fração de ejeção do ventrículo esquerdo média de 52.5% e strain médio de -13.6%.
Foi usada uma mediana entre 12% e 15%, em valores modulares, para dicotomizar o strain como reduzido e preservado. Aqui vale mencionar que esse valor arbitrário é bem menor do que o já consagrado na literatura, o que colocaria boa parte dos pacientes com apresentando queda do strain em valores mais avançados.
Em um follow-up médio de pouco mais de 2 anos, observou-se que pacientes com strain mais baixo tinham maior risco de mortalidade por todas as causas e maior taxa de MACE, se comparado àqueles com strain mais alto antes do procedimento. O interessante é que a cada 1% de redução do valor do strain houve um aumento de risco de 6% na mortalidade por todas as causas e uma taxa de MACE 1,08 vezes mais alta.
Vale mencionar que neste estudo foram excluídas as morfologias bicúspides e os pacientes assintomáticos, pois nesse caso, diferentemente do observado nos sintomáticos, a curva de relação do strain com desfechos não parece respeitar um formato linear. Aqui reside outra crítica, pois quando pensamos em utilizar o strain como ferramenta para indicação precoce, ela deveria cumprir um papel de complicador, tendo sua melhor utilização em pacientes assintomáticos. Aquele que já tem sintomas e/ou queda na fração de ejeção já apresenta no atual momento evidência robusta para uma possível indicação.
É importante ressaltar que na estenose aórtica o impacto do strain reduzido vai depender das diferentes comorbidades dos pacientes, bem como do status da doença antes do procedimento.
Dessa forma, esse trabalho reforça que o uso do strain longitudinal é uma ferramenta interessante que pode auxiliar na decisão do melhor momento para a intervenção, embora os dados sejam de trabalhos restrospectivos e que ainda precisamos desenvolver trails dedicados para entendermos o valor de referência e o real impacto dessa medida na evolução clínica dos pacientes.
Literatura Sugerida:
1 – Stens NA, van Iersel O, Rooijakkers MJP, van Wely MH, Nijveldt R, Bakker EA, et al. Prognostic Value of Preprocedural LV Global Longitudinal Strain for Post-TAVR-Related Morbidity and Mortality: A Meta-Analysis. JACCCardiovasc Imaging. 2023 Mar;16(3):332– 41.
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