A Insuficiência Mitral conceitualmente é a falha da valva mitral em impedir que o sangue retorne para o interior do átrio esquerdo durante a sístole. Fisiologicamente, as valvas átrio-ventriculares apresentam naturalmente um escape pequeno, não necessariamente devendo ser classificado como patológico. Quando o volume regurgitante se torna maior e, principalmente, quando há disfunção no adequado funcionamento do aparato mitral, temos a valvopatia.
Fisiopatologia
Entender o comportamento da fisiologia cardiovascular na presença de uma insuficiência mitral é fundamental na cardiologia como um todo. Não só pela elevada prevalência de pacientes portadores dessa valvopatia, mas por ser uma verdadeira explicação de diversos mecanismos compensatórios ventriculares.
Inicialmente o indivíduo que desenvolva insuficiência mitral experimenta uma situação de elevada pré-carga, pois boa parte do sangue regurgitado inadequadamente para o interior do átrio esquerdo retornará no próximo ciclo, causando um aumento considerável no volume de sangue que o VE recebe. Isso leva a uma dilatação ventricular com aumento da massa para contrabalancear na tensão da parede.
Também devemos nos lembrar do mecanismo de Frank-Starling que, em fases compensadas, explica o motivo do poder contrátil do VE se elevar, já que ele se distende mais do que o normal.
Ao longo do tempo, temos um ventrículo que aumenta seus diâmetros cavitários e também aumenta a massa muscular, tanto com miócitos, quanto com estruturas intersticiais. Surge assim uma hipertrofia excêntrica com manutenção da função sistólica. Gostaria de chamar atenção no termo função sistólica, pois entender que isso não é fração de ejeção é fundamental para darmos seguimento ao raciocínio da fisiopatologia.
Na outra extremidade do ciclo cardíaco fica a análise da pós-carga do ventrículo esquerdo. Como vimos temos uma substancial elevação da pré-carga, mas ao analisar a pós-carga, vemos uma redução dessa última. A razão para isso é que para o VE, é mais fácil ejetar o sangue no interior do átrio esquerdo, que tem fisiologicamente menor pressão do que no interior da artéria aorta que tem a pressão de toda a árvore vascular periférica.
Assim, na vigência de uma insuficiência mitral, o ventrículo esquerdo trabalha com elevada pré-carga e com reduzida pós-carga. Mas o que entender isso é importante para encerrar uma falácia comum na insuficiência mitral? Simples, a frase que ouvimos as vezes de que na insuficiência mitral a fração de ejeção está superestimada é conceitualmente inadequada.
Vamos entender como funcionam essas informações. A fração de ejeção do ventrículo esquerdo é um poderoso parâmetro que utilizamos para nos dar a informação da capacidade sistólica. Mas seu cálculo se da, basicamente, por uma relação entre volume diastólico final e volume sistólico final. De forma muito prática, quanto menos volume sistólico final, melhor a força contrátil do VE correto? Nem sempre…
No contexto de uma insuficiência mitral importante, durante a sístole, o VE tem facilidade em ejetar o sangue, mas não para a periferia e sim para o interior do átrio esquerdo. Assim, no final da sístole, o volume que sobra é baixo, mas a força de contração não necessariamente foi alta, visto ter sido difícil “jogar fora o sangue”. Assim, olhar para um paciente com insuficiência mitral e ler apenas a fração de ejeção não lhe dará o real poder contrátil do músculo ventricular.
A fração de ejeção foi superestimada? Não, ela é real. O que não podemos falar é que a função sistólica do VE está preservada apenas observado um valor de fração de ejeção normal.
Agora vamos entender como que todo esse processo se desequilibra. Imaginemos que nosso paciente fictício evolua o grau de sua insuficiência mitral e a dilatação cavitária também progride. Chega num ponto em que não há mais a possibilidade de hipertrofia para manter as pressões intracavitárias e aqui podemos ter tanto sintomas, quanto sérios desequilíbrios hemodinâmicos.
Com a elevação das pressões de enchimento em um contexto de progressão de dilatação ventricular com possível perda contrátil, o pouco esforço demandado anteriormente para ejetar o sangue, tanto no AE, quanto na aorta passa a não ser suficiente e a fração de ejeção, nesse ponto, começa a cair, por elevação do volume sistólico final. Percebam que a perda de força contrátil já havia ocorrido antes, mas só agora a fração de ejeção caiu.
A redução da perfusão sistêmica associada a essa elevação das pressões de enchimento são responsáveis por ativar o sistema renina-angiotensina-aldosterona que leva a uma elevação da pós-carga periférica, apoptose e fibrose intersticial ventricular, levando a uma evolução certeira para a perda avançada de poder contrátil do VE.
Manifestações Clínicas
Entender quando surgem sintomas na insuficiência mitral é entender o adequado conceito de insuficiência cardíaca. De forma direta, a sintomatologia surge quando ocorre elevação das pressões de enchimento do átrio esquerdo e, por consequência, do capilar venopulmonar. Isso pode se refletir também na origem de uma hipertensão arterial pulmonar secundária a essa elevação da PD2 do VE.
Podemos ter pacientes com fração de ejeção preservada e elevação das pressões de enchimento por perda da função contrátil (Se não sabe diferenciar as duas coisas, sugiro fortemente que retorne à última postagem). Isso vai depender basicamente da complacência do átrio esquerdo em acomodar o volume regurgitante. Àqueles que evoluem para estágios avançados e não conseguem mais manter o balanço entre grau de IM e hipertrofia excêntrica também experimentam sintomas, incluindo o de baixo débito cardíaco.
Diferente da estenose mitral, o surgimento de uma fibrilação atrial pode marcar uma piora dos sintomas, mas não é tão marcante como na valvopatia com sobrecarga pressórica como vimos no início dessa nossa temporada do Valve Basics.
Assim podemos ter um amplo espectro de manifestações clínicas e graus diferentes de dilatações cavitárias e perda contrátil, sendo o tempo de valvopatia, o grau de hipertrofia e a etiologia fundamentais para acharmos o momento certo de surgirem os sintomas.
Literatura sugerida:
1 – Otto CM, Bonow RO. A Valvular Heart Disease – A companion to Braunwald’s Heart Disease. Fourth Edition, 2014.
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